Raymond Chandler – junto com seus camaradas ossos duro como Dashiell Hammett e James M. Cain – tirou o decoro do romance policial para dá-lo uma nova vitalidade. Chandler, através dos olhos do seu personagem mais conhecido, Philip Marlowe, navegou por uma Los Angeles obscura através do desespero daqueles que vivem nas extremidades do totem social e através da ganância e corrupção dos que estão no topo. Em vez de criar mistérios de salas trancadas, auto-suficientes, ele fez histórias das ruas, tentando dar sentido a um mundo moralmente ambíguo. Ele dedicou sua carreira ao gênero, influenciando gerações e gerações de escritores. Seu nome, com isso, acabou se tornando sinônimo de seu estilo pungente e sóbrio.
Então, não é surpreendente que ele tivesse algumas opiniões fortes sobre o gênero policial. Abaixo estão seus dez mandamentos para escrever um romance policial:
1 – A narrativa deve ser motivada com verossimilhança, tanto quanto à situação original como o seu desfecho;
2 – Ela deve ser tecnicamente notada como método de assassinato e de detecção do crime;
3 – Deve ser realista em temperamento, cenário e atmosfera. Deve falar sobre pessoas reais no mundo real;
4 – Deve ter uma história que tenha valor para além do mistério: ou seja, a investigação por si mesma deve ser uma aventura atraente de se ler;
5 – Deve ser essencialmente simples para se explicar com facilidade quando for o momento adequado;
6 – Deve ser capaz de confundir o leitor mais esperto;
7 – A solução deve parecer inevitável quando for revelada;
8 – Não se deve tentar fazer tudo ao mesmo tempo. Se é uma história quebra-cabeça, operada em um ambiente razoavelmente bom, não pode ser também uma aventura violenta ou um romance apaixonado;
9 – A história deve punir o criminoso de um jeito ou de outro, não necessariamente por força da lei. Se o detetive falha em resolver as consequências do crime, a história é um acorde sem solução, o que deixa irritação por trás dele;
10 – Você deve ser honesto com o leitor.
Esses mandamentos são jabs oblíquos na sala trancada de romances policiais populares durante a época de ouro do gênero policial durante os anos de 1920 e 1930. Chandler nos oferece uma crítica muito mais precisa destes trabalhos em seu ensaio seminal sobre romance policial chamado A simples arte de matar.
Depois de falar minuciosamente à parte do mistério A Casa Vermelha, de A. A. Milne (sim, o escritor de Winnie, The Pooh), Chandler investe contra histórias detetivescas onde maquinações de enredo superam qualquer semelhança com a realidade:
“Se a situação é falsa, não se pode nem mesmo aceitá-la como um romance rápido, pois não há história para ser um deles.”
Ele, então, passa para o pior de outros escritores de mistério britânicos, como Agatha Christie e, particularmente, Dorothy L. Sayers, que ele não pinta apenas como uma esnobe hipócrita, como também uma chata:
“Os ingleses podem não ser sempre os melhores escritores do mundo, mas são incomparavelmente os mais maçantes de todos”, ele brinca.
Chandler, então, oferece fortes elogios ao seu colega osso duro Dashiell Hammett, que infunde suas histórias com um senso de realismo:
“Hammett trouxe o assassinato de volta para o tipo de pessoas que o comentem por motivos diversos, não apenas para dar um corpo ao leitor; e com essas ferramentas à mão, não com pistolas e forjando duelos, curare ou peixes tropicais… Ele era livre, frugal, mas fez uma vez ou outra o que apenas os melhores escritores podem fazer do nada. Hammett escreveu cenas que pareciam nunca antes terem sido escritas.”
Consciente ou não, essa passagem é uma descrição que também cabe ao próprio Raymond Chandler.
Tradução de Openculture.