Os motores da ficção

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Raymond Chandler

Ao ler o texto GUIA DE SOBREVIVÊNCIA: 5 Livros para quem deseja aprender a escrever ficção”, comecei a maquinar, como há muito não fazia, sobre os mistérios dessa profissão que almejo desde quando era (mais) jovem. Em seu artigo, Vilto Reis faz o que o próprio título diz: recomenda cinco obras aos que querem aprimorar ou até mesmo encontrar um caminho para tornarem-se escritores.

Escrever ficção foi algo que sempre me fascinou, em todo o seu processo criativo. A capacidade de elaborar uma trama, por mais simples que seja, botar a cabeça pra funcionar e desenvolver personagens, cenários, situações. Já me arrisquei, tentei criar uma história, um pequeno conto, enfim, todo leitor fascinado por literatura já deve ter passado por essa situação.

Inspirar-se em outros escritores pode ser uma saída. Mesmo os autores já consagrados têm suas referências. Alguns até se saíram melhores que suas fontes. Há um forte intertexto da literatura policial estadunidense, mais especificamente de Raymond Chandler, em grande parte da obra de Rubem Fonseca. Em contos como Mandrake, há até explícitas menções a obras protagonizadas por Philip Marlowe. Paulo Mandrake, o personagem de Fonseca, também possui traços bem parecidos com Marlowe. Particularmente, acho que Fonseca tornou esse gênero noir melhor, mais refinado.

Difícil é encontrar uma voz, um traço que caracterize o ritmo da narrativa. Escritores como Marçal Aquino são inconfundíveis. A leitura é densa e flui na velocidade de thrillers policiais do cinema. Essa característica pode ser comprovada em livros como Cabeça a prêmio e O invasor (que já tiveram adaptações fílmicas). Milton Hatoum e Michel Laub são possuidores, como avaliou o crítico Nelson de Sá, de prosa elegante. Difícil não ser cativado por Cinzas do norte (Hatoum) e Diário da queda (Laub).

Ser voraz leitor ajuda no processo da escrita? Não sei. Escrever o texto que aqui se apresenta não está sendo tarefa das mais fáceis. Montes de leituras talvez atrapalhem. Quem lê livros, lê resenhas, crônicas, artigos. A internet abriu oportunidade para um monte de gente que escreve muito bem mostrar seu trabalho. Leio textos de muita gente que, como eu, escreve porque acha que tem algo a dizer. O problema é: quem disse que o que tenho a dizer é importante? A qualidade dos outros textos pode levar à insegurança. Sentar aqui, escrever numa folha branca, ler, reler, passar para a tela do computador, organizar as ideias, tentar antecipar qual será a avaliação de quem vai lê-lo. Algo penoso? Não tanto quanto cortar cana, mas tem suas dificuldades. Criticar é uma coisa. Ser criticado é outra. Há a paranoia quanto à crítica silenciosa, daqueles que não comentam nem agride o que leem, mas, por dentro, refletem: “que sujeitinho mais besta!”.

O talento para a escrita, claro, é imprescindível. Tenho colegas que, vou te contar, escrevem bem pra caramba. Por esses dias encontrei um amigo que disse ter finalizado seu primeiro romance de mistério e aventura. Pelo que já li dele, serei um dos primeiros a adquirir o livro, caso seja publicado. Essa galera que compõe a literatura brasileira contemporânea também é muito boa. O interessante é que, hoje em dia, há vários cursos de produção literária. Nomes como Carol Bensimon e Daniel Galera já passaram por tais caminhos. Meu amigo, inclusive, também já fez o seu. Como o próprio Vilto diz em seu texto, apenas aprimoraram um talento que já era inerente.

O narrador de Michel Laub, em Diário da queda, diz que sua profissão exige apenas que escreva dois artigos por semana e publique um livro a cada década. Ele já conseguiu tornar a escrita sua única profissão. Consegue escrever ficção e sobre temas do mundo real. Até mais ou menos meu quatorze anos sonhava em ser roteirista de histórias em quadrinhos. Hoje, além de argumentista para gibis, almejo a literatura ficcional. Confesso que estou tentado a ler os livros indicados por Vilto. Quem sabe não seja uma porta de entrada para entender, ao menos um pouco, as engrenagens que movimentam os motores da ficção?

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