Os muitos amores de Roland Barthes

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“Lá vem mais um falar de amor…”, é mesmo assim, os textos e obras sobre o amor parecem inesgotáveis. Parece, às vezes, até impossível escapar dele, ainda mais quando vamos à livraria, ou procuramos os filmes em cartaz no cinema. Mas poucos autores se dispõem ao amor como objeto de estudo, e ainda menos propõem uma investigação profunda sobre uma das maiores delicadezas nas relações humanas: o “início de um amor”.

Vale ressaltar que me refiro, desde o início, aos amores reais, verdadeiros. E não aqueles romances que aparecem em uma noite e se desfazem no dia seguinte. É o amor como uma relação continua – realizada ou não.

O que demarca essa transição entre o momento em que você conhece alguém e o momento onde vocês já trocam, entre amenidades, uns “eu te amo”, “amo você”, ou se chamam de “amor”, usam até um pronome possessivo e passam a adorar a cor vermelha. Quando “você” se torna “meu amor”?

Barthes, em Fragmentos de um discurso amoroso, traça uns episódios universais no amor, racionaliza de maneira quase cartesiana, enfim, nos oferece todos os ingredientes desse banquete amoroso para o qual todos somos, em um dado momento da vida, convidados – e não podemos recusar.

Ele atravessa por todos os momentos de um “discurso amoroso”, estabelecendo, ao longo da obra, algumas sequências lógicas, e as desfazendo logo depois. Vem traçando esse caminho-comum a todos os amores: o estranhamento (Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se, como registrou Fernando Pessoa, tudo bem, sobre a Coca-Cola, mas vale por ser tão viciante quanto as paixões que se pretendem amores), a curiosidade, o desbravamento, o encanto, o reencanto, a proximidade, a sedução, os jogos, etc. Barthes consegue nos convencer de que o amor segue uma sequência própria dele, e indiferente a nós. De que só mudam os “sujeitos amorosos” mas que, no final, amor é amor, e todos percorrem, incorrigivelmente, esse mesmo caminho, variando nas doses, medidas, e cronologia.

Até aí tudo bem, em pelo menos um momento, todos nós já percebemos que a uma mesma música pode ser conveniente a um amor como havia sido a um outro. Todos nós escutamos histórias de amigos e sabemos aconselhar por já “termos passado por isso”. O amor é esse ente comum a todos que se veste e se pinta de maneiras diversas – até como um amor só, quem nunca olhou para uma mesma pessoa amada de uma maneira diferente, sentindo mais ou menos, em determinadas circunstâncias?

A questão parece sem resposta, ainda mais se considerarmos o tanto que são os amores. Tão plurais, e mesmo assim iguais, nessa mesma “sequência”, mas visceralmente distantes uns dos outros, por dependerem de épocas, lugares, dias e pessoas. Em que momento o amor se estabelece? O discurso de Barthes corre em torno disso também, dessa procura e questionamento: o amor é algo inerente a nós? Ele surge já nos primeiros momentos de uma possível relação e se consolida com a convivência, o tempo? Em que momento ele nasce, e é nesse mesmo momento que desperta? O amor para sê-lo precisa ser primeiro sentido ou verbalizado? Existe amor à primeira vista, primeiro toque, calafrio? Se sim, será que por timidez, vergonha, só nos permitimos enxerga-lo depois de um dado prazo de “aceitação”? Amor precisa ser socialmente aceito para ser amor? Ele já vem embutido e o direcionamos a alguém? Podemos redirecionar um mesmo amor? Reciclá-lo, reutilizá-lo? Amor deve ter fim ou amor pode existir contrário ao destino-morte do resto das coisas? E por último, quem ele pensa que é para nos encher cada vez mais de perguntas quando o que mais precisamos é de respostas?

É o amor, e lhe escapam todas as explicações.

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