Colasanti consegue perceber beleza mesmo no sofrimento dessa geração de mulheres, que provaram sua força frente a uma cultura opressora, construindo histórias fortes de superação, e conclui: “ataduras não bastam para prender as asas de um cisne selvagem”.
Marina Colasanti nasceu na Etiópia, viveu na Itália e se mudou para o Brasil, adquirindo nacionalidade ítalo-brasileira. Escritora e jornalista, tendo ganhado o Prêmio Jabuti de Poesia em 1993, escreve contos, poesia, prosa, literatura infantil e infanto-juvenil, além de crônicas. Os Últimos Lírios no Estojo de Seda é uma seleção de algumas de suas crônicas, belamente ilustradas por Maria Ângela na edição da Leitura de 2006. Os temas são bem variados, desde curiosidades culturais, experiências pessoais e pautas jornalísticas, sempre num tom leve, poético, que denota extrema sensibilidade com o uso das palavras e a visão de mundo.
As crônicas são curtas, de rápida e fácil leitura, mas nem por isso menos profundas. Os títulos já são, por si sós, pura poesia: Para dizer quem sou, me cantarão; Mais do que penas brancas sobre a lama; Tempo rodeado de mar por todos os lados; A morte sorrindo com dentes pequenos; Da escuridão para a luz… Elas falam sobre um pouco de tudo e de nada, coisas sérias e bobagens cotidianas, todas, no fundo, elevadas ao mesmo patamar e tratadas com o mesmo respeito e suavidade.
Os Últimos Lírios no Estojo de Seda, crônica que dá título à coletânea, trata do livro Cisnes Selvagens, de Jung Chang, sobre as últimas chinesas obrigadas a deformar os pés para mantê-los pequeninos, chamadas de “pés de lírio”. Colasanti consegue perceber beleza mesmo no sofrimento dessa geração de mulheres, que provaram sua força frente a uma cultura opressora, construindo histórias fortes de superação, e conclui: “ataduras não bastam para prender as asas de um cisne selvagem”. Outras historias humanas comoventes se encontram em A freira que amou demais, sobre o romântico pecado da irmã Virgínia, Onde fica o coração?, em que a empregada indaga de que lado fica o órgão vital, suscitando devaneios da narradora, Tempo rodeado de mar por todos os lados, sobre a história da Ilha de Santa Cruz e seus personagens. Os elementos da natureza também estão presentes no livro, nas crônicas Mais do que penas brancas sobre a lama, em que a narradora observa um cisne da janela de sua cabana, Adeus florações de espirradeiras, sobre a proibição do cultivo de espirradeiras pelo governo do Rio, O vento está afiando suas unhas, sobre tempestades de areia.
Nem por isso Colasanti é menos crítica da sociedade e do caráter humano. Uma pergunta que nos cabe responder é um soco no estômago do leitor, abordando a questão da exploração sexual infantil: como reagir e em quem pôr a culpa? O neo-realismo que chega a cavalo aborda a violência urbana sob um viés cinematográfico. A mão que se levanta no debate põe em questão a crítica comum hoje em dia de que estamos perdendo os bons sentimentos, quando na verdade isso se trata apenas de uma ilusão, já que os maus sentimentos também sempre existiram. No entanto, o tom geral do livro é de esperança: apesar de todos os problemas, datados ou intrínsecos ao ser humano, sempre haverá um cisne a se admirar, uma flor para enfeitar (o ambiente e a alma), uma lenda com a qual se emocionar; mesmo da tristeza e da revolta, é possível extrair beleza e poesia.
Como é comum em crônicas, a voz da narradora se confunde com a voz da autora, influenciada por diversas culturas, dando um caráter pessoal e ao mesmo tempo universal às narrações.
Referência bibliográfica:
COLASANTI, Marina. Os Últimos Lírios no Estojo de Seda. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2006.