Guillaume Musso mescla thriller e humor ao contar a história de um escritor cuja personagem vai parar no mundo real
Tom Boyd é um autor desesperado. Apesar de seu sucesso, ele está afundado em dívidas e, desde que foi abandonado pela mulher amada, não consegue escrever uma linha sequer. Enraivecido e entregue à bebida, é preso diversas vezes por embriaguez. No ápice do desespero, ele se tranca em sua casa, colocando um fim definitivo na carreira de escritor. Sua adorada Trilogia dos Anjos ficará sem o volume final. Esse é o plano. Ou seria o plano. Mas, quando o destino bate à sua porta… O destino, no caso, é Billie, personagem pouco importante da Trilogia. Uma coadjuvante fictícia, a qual, no entanto, aparece na varanda de Boyd em carne e osso.
Assim mergulhamos em A Garota de papel, do francês Guillaume Musso. Um dos autores de maior sucesso na Europa, Musso já vendeu mais de 19 milhões de cópias de seus romances – thrillers, em sua maioria. Com A garota, o escritor conduz um experimento interessante. Ele faz uso constante do humor, por vezes beirando a comédia pastelão, mas coloca na mistura os ingredientes que já conhece bem: suspense, sensualidade e um pouco de sangue. A combinação é inusitada, mas funciona. Com uma trama bem delineada e figuras convincentes, a obra agrada o leitor eclético, fã de risadas e tensão na mesma medida.
Parte do sucesso dessa farofa literária está na construção cuidadosa dos personagens secundários – mais interessantes, inclusive, do que o protagonista. Depressivo e cheio de ódio por si mesmo, Boyd mal consegue conduzir a própria vida. Seu único esforço é testar a suposta Billie para descobrir se ela é uma impostora. Ao ver que a garota sabe até informações nunca divulgadas, ele se dá por convencido. No entanto, apesar de fascinante, essa aparição é apenas mais um problema impossível de resolver. Então, quem toma as rédeas da situação é o trio formado pelos melhores amigos Milo e Carole, e, claro, Billie.
Logo no início da trama, o grupo compreende como a jovem fez a transição para o mundo real. Eles concluem que ela caiu – literalmente – das páginas do livro, pois um lote feito às pressas acarretou em milhares de cópias imperfeitas:
“Ele puxou um exemplar da mochila e estendeu na minha direção. Mesmo folheando-o distraidamente, a cagada saltava aos olhos, uma vez que, das quinhentas páginas do romance, apenas metade estava impressa. A história parava de repente no meio da página 266, em uma frase igualmente inacabada:
Billie limpou os olhos enegrecidos por rios de rímel.
— Por favor, Jack, não vá embora desse jeito.
Mas o homem já vestira o casaco. Ele abriu a porta sem olhar para a amante.
— Eu te suplico! — ela berrou, caindo”
Sabendo como a moça chegou, fica claro para eles como ela deve voltar: pelo mesmo portal no livro defeituoso. Há, entretanto, um desafio à frente. O lote problemático foi recolhido e destruído. Apenas um exemplar não foi retornado no recall…
E, assim, a mescla de suspense e comédia é transformada em uma grande aventura. Billie e Boyd enfrentam experiências intensas, crimes, doenças estranhas e uma série de fugas. E encaram tudo juntos por conta de uma dependência mútua. Ele acredita que a jovem vai inspirá-lo a terminar a trilogia, e ela deseja ter sua história reescrita, para passar de amante a esposa. Na maior parte do tempo, esse par improvável se odeia. Mas um precisa do outro. E, acima de tudo, eles precisam do livro – o qual também roda o mundo: do lixo ao velho continente, o exemplar fará viagens inusitadas, frustrando os personagens, mas colocando um sorriso no leitor.
Guillaume Musso sabe compensar a inércia de seu protagonista com momentos de ação. Sua escrita segue em ritmo intenso e é bastante visual, quase como um roteiro para o cinema. E, apesar da narrativa avançar depressa, ela revisita com frequência as questões deixadas nas primeiras páginas; por exemplo, o fato de muitos julgarem Billie uma charlatã. Ou o pensamento inverso: se ela é, de fato, uma impostora, como sabe de fatos jamais divulgados? E como a moça é capaz de surpreender seu criador? Ele não deveria saber tudo sobre seu comportamento?
Felizmente, os capítulos finais trazem respostas a todas essas perguntas. Os fios soltos são amarrados, os núcleos paralelos são integrados e há uma surpresa agradável. Com seu suspense resolvido a contento e uma bem dosada mistura de tensão e comédia, A garota de papel deixa o leitor satisfeito.