A seleta Partes Íntimas mostra o cotidiano sem floreios
Diz ela que a melhor hora do dia é das 12 às 13h, quando os operários da obra descansam e concedem à vizinhança uma hora de folga. Talvez seja um bom horário para ficar em silêncio e recarregar o fôlego para as outras horas, ainda na espera da energia guardada nas Partes Íntimas.
A seleta de crônicas de Claudia Tajes, publicadas originalmente no jornal Zero Hora, mostra o cotidiano sem floreios: são os momentos de bom humor, os de muito mau humor, as risadas por sei lá que besteira, trabalho, família e demais cantos onde o coração bate, enquanto às vezes a gente se bate sobrevivendo até o anoitecer.
“Desde que dizer ‘relaxa’ virou mania nacional, essa é uma espécie de senha para o inferno”. A frase abre Re-la-xa, cujo tema real não alivia. Soma-se a ela a delicada “É melhor ser alegre do que ser triste”, um dos textos mais pessoais do livro devido à proximidade de Tajes com o tema – e que pode passar despercebido para quem pular a crônica graças ao nome.
Tajes também ri de uma vergonha que passou no colégio, antes dos smartphones virarem mania; conta ter sido uma menina meio ameba em busca de um jogo de tabuleiro e até de um dia em que acordou verde. A escrita dela é transparente como a linguagem falada, com direito a recriações desta em alguns trechos; e a opção pela simplicidade no linguajar faz par com a divisão das crônicas por seções nomeadas como membros do corpo, as ditas Partes Íntimas que batizam o livro.
Ventrículo Esquerdo, Sistema Nervoso, Tímpano, Hormônios e companhia, é como se os nomes e linhas que circulam em cada parte dissessem algo sem querer, deixando pistas circulando livremente. Não em um sentido de interpretação fechada como se o livro afirmasse uma ideia, mas ao comentar de tópicos gerais – desde os que às vezes nos cansam pelo tratamento e insistência – e individuais – onde as lembranças particulares e a subjetividade predominam mais do que em outros espaços – a cronista estende uma cadeira a quem estiver perto e dá corda à fala. Pode ser que na troca de falas se escondam alguns risos, melancolias e outras intimidades, a espera de um convite para virem à superfície.