Estudo mostra quem é a personagem do romance brasileiro contemporâneo. Aponta que na literatura, assim como na sociedade, as minorias são excluídas
“A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004”, estudo desenvolvido por Regina Dalcastagnè (2005), com colaboração de pesquisadores da UNB, constatada a ausência da representação das minorias no romance brasileiro contemporâneo, sobretudo dois grupos: pobres e negros.
A pesquisa aponta dados importantes sobre o que é a nossa literatura atualmente. Este texto, contudo, é apenas um breve resumo de todas as considerações. Gráficos, dados e números exatos encontram-se apenas no estudo original.
O estudo foi feito com base em romances contemporâneos publicados por grandes editoras no cenário brasileiro. Os critérios, grosso modo, eram que o livro deveria: ser escrito originalmente em português, por autores brasileiros ou naturalizados; ser publicado pela Companhia das Letras, Record ou Rocco; ter sua primeira edição entre 1990 e 2004.
Quem tem visibilidade no romance brasileiro contemporâneo?
Os resultados da pesquisa apontam que as minorias, principalmente pobres e negros, que não têm visibilidade na literatura. Mesmos grupos que, na sociedade brasileira, não são enxergados e são excluídos. Desse modo, o escritores representam em seus romances justamente a invisibilidade quando deixa de fora de seus romances aqueles que estão à margem da sociedade.
“Neste caso, os escritores estariam representando justamente essa invisibilidade ao deixar de fora das páginas de seus livros aqueles que são deixados à margem da sociedade” (p. 15).
Se pobres e negros aparecem pouco como personagens em romances, eles são quase inexistentes na condição de produtores literários. A chance de ambos terem voz dentro de uma narrativa é ainda mais reduzida. Isso porque os lugares de fala “[…] são monopolizados pelos homens brancos, sem deficiências, adultos, heterossexuais, urbanos e de classe média” (p. 15).
A representação na literatura
Essa questão da ausência de voz das minorias e dos marginalizados acaba gerando o silenciamento de certos grupos também na produção literária. E isso remete a uma questão fundamental na literatura que é a representação.
O silêncio dos grupos marginalizados – entendidos em sentido amplo, como todos aqueles que vivenciam uma identidade coletiva que recebe valoração negativa da cultura dominante, sejam definidos por sexo, etnia, cor, orientação sexual, posição nas relações de produção, condição física ou outro critério – é coberto por vozes que se sobrepõem a ele, vozes que buscam falar em nome desses grupos, mas também, embora raramente, pode ser quebrado pela produção literária de seus próprios integrantes. […] O termo chave, neste conjunto de discussões, é “representação”, que sempre foi um conceito crucial dos estudos literários, mas que agora é lido com maior consciência de suas ressonâncias políticas e sociais (p. 15-16).
Embora se coloque que a literatura corrobora com representações da realidade, há um problema de representatividade. As representações não dão conta do conjunto de perspectivas sociais existentes. Sendo assim, o problema da representatividade não está resumido à busca pelo olhar do outro de forma honesta ou mais verossímil possível ou ao respeito pelas suas singularidades desse outro.
O que está em questão e que de fato é importante para a representatividade na literatura é a diversidade de percepções do mundo. Isso depende do acesso à voz do outro, que não é suprida em função dos lugares de fala que são ocupados e monopolizados. Esses locais de fala, conforme os dados apresentados pela pesquisa, são ocupados na maioria esmagadora das vezes por homens, brancos, héteros, com alto grau de escolaridade, de classe média ou alta.
Dalcastagnè aponta ainda que um dos sentidos de “representar” é justamente falar em nome do outro. E que falar por alguém é sempre um ato político, por vezes legítimo e frequentemente autoritário. Além disso, assevera que quando impomos um discurso é comum a justificativa de que se tem maior esclarecimento, maior competência, maior eficácia social por parte daquele que fala. Sendo assim, ao outro, a minoria (que, infelizmente, é maioria) resta calar.
Perspectivas sociais e suas consequências
A representatividade na literatura brasileira ainda não tem dado conta de todas as perspectivas sociais. Assim, acabam sendo gerados seres excluídos da literatura. Normalmente, são os mesmos que também são excluídos da realidade política, social e cultural de nosso país. E segundo Dalcastagnè, esses excluídos costumam se enxergar como incapazes de produzir literatura.
Ao falar sobre a questão das perspectivas sociais, é preciso delimitar o que se entende exatamente sobre isso. As perspectivas sociais são o reflexo da pluralidade de condições nas quais as pessoas se encontram no mundo, de acordo com maneiras diversas de ver e entender o mundo, a partir de experiências culturais. E em que reflete uma perspectiva social?
[…] mulheres e homens, trabalhadores e patrões, velhos e moços, negros e brancos, portadores ou não de deficiências, moradores do campo e da cidade, homossexuais e heterossexuais, umbandistas e católicos vão ver e expressar o mundo de diferentes maneiras. Mesmo que outros possam ser sensíveis a seus problemas e solidários, nunca viverão as mesmas experiências de vida e, portanto, verão o mundo social a partir de uma perspectiva diferente. Por mais solidário que seja às mulheres, um homem não vai vivenciar o temor permanente da agressão sexual, assim como um branco não tem acesso à experiência da discriminação racial ou apenas um cadeirante sente cotidianamente as barreiras físicas que dificultam ou impedem seu trânsito pelas cidades (p. 19).
Diversidade de vozes
A diversidade de vozes é algo muito importante na literatura. Ela pode fazer como que a representação artística repercuta no debate político. Sendo assim, pode permitir o acesso à perspectiva do outro.
Alem do mais, também é igualmente importante e necessário que a literatura deixe de ser um espaço privilegiado. Espaço repleto de manifestações apenas de homens, héteros, brancos, da elite ou da classe média. Informações estas apontadas por meio dos dados da pesquisa feita na UNB.
Fonte:
DALCASTAGNÈ, Regina. A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, [S.l.], n. 26, p. 13-71, jan. 2011.
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