Inúmeros jornalistas escreveram, escrevem e escreverão notas, matérias e reportagens almejando, na verdade, a escrita de textos menos perecíveis, a criação de personagens, enredos e cenas inesquecíveis que toquem as emoções dos leitores. Eu sou um deles. Na mesma proporção, escritores buscaram, buscam e buscarão o ganha-pão nas redações de jornais e revistas, embora a atividade não seja nada rentável financeiramente. Eu também faço parte dessa estirpe.
Tanto o jornalismo quanto a literatura lucram, lucraram e lucrarão com a figura do jornalista escritor ou escritor jornalista, como preferirem. Um campo vem influenciando o outro, desde a invenção da imprensa. O texto jornalístico se modernizou, com a adesão de técnicas literárias: o New journalism, nos States, e a revista Realidade aqui, no Brasil, são exemplos cabais. A literatura se beneficiou com a incorporação de elementos da linguagem jornalística na ficção e na poesia – e sem falar dos folhetins.
Em 1954, Ernest Hemingway, na histórica entrevista à revista The Paris Review, falou sobre a contribuição que o trabalho jornalístico pode trazer aos aspirantes a escritor: “Isso é útil para qualquer um. O trabalho jornalístico não prejudica o jovem escritor e pode vir a ajudá-lo se ele cair fora a tempo. O jornalismo, depois de um certo ponto, pode vir a se tornar uma autodestruição diária para um escritor sério e criativo”.
Cinquenta anos antes, o escritor e jornalista João do Rio indagara aos principais intelectuais brasileiros da época: “O jornalismo ajuda ou atrapalha a atividade literária no Brasil?” O resultado foi publicado no livro O momento literário. Cem anos depois e há uma década, a jornalista, escritora e pesquisadora Cristiane Costa refez a enquete e analisou as respostas dos 32 escritores jornalistas contemporâneos entrevistados no brilhante Pena de Aluguel (Companhia das Letras).
Hemingway pode até ter lá a sua razão – não é fácil ter pique pra escrever depois de uma jornada de quatorze horas de trabalho. Mas desde 1808, quando a família Real aportou nestas terras, a história da imprensa e da literatura brasileira, em parte significativa, tem sido escrita por quem jogou, joga e jogará nas duas: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar, Paulo Francis, Ignácio de Loyola Brandão, Marçal Aquino e Bernardo Carvalho, entre outros.
Aqui, inclusive, entre os anos 60 e 80, de autores, os jornalistas passaram a protagonizar a literatura brasileira. São dessa época, A festa, de Ivan Angelo; Cabeça de negro e Cabeça de papel, de Paulo Francis; Um novo animal na floresta e Domingo 22, de Carlinhos Oliveira; O inferno é aqui mesmo, de Luis Vilela; Um cão uivando para a lua e Balada da infância perdida, de Antonio Torres; Setembro não tem sentido, de João Ubaldo Ribeiro, segundo relata Cristiane Costa em seu livro.
Na última segunda-feira, 7 de abril, comemorou-se o Dia do Jornalista. Então, uma salva de palmas para todos os jornalistas do país, sobretudo, aqueles que ajudaram, ajudam e ajudarão a escrever a literatura nacional. Pois bem. Depois deste nariz de cera, muito do sem vergonha, percebe-se que não entendo nada de pirâmide invertida.