Plínio Marcos, com personagens e dramas que nos fazem lembrar dos esquecidos, foi um dos gênios da dramaturgia brasileira.
Seguindo a linha dos “malditos de baixo escalão”, meu texto de hoje exalta mais um gênio brasileiro. Nascido em Santos e talvez o maior exportador do “lixo do submundo”, Plínio Marcos, assim como Nelson Rodrigues, segue na primeira linha de montagem “fast food” de cursos de teatro e formatura de módulos livres.
Mais um mal interpretado no ninho tropical. Se Nelson escrachava a classe média, Plínio Marcos põe poesia em boca de puta.
O aprendiz de encanador que sonhava em ser jogador de futebol nunca escondeu que o que escrevia era pra tirar o povo do sossego. Pai da mais amada e temida prostituta do Teatro Brasileiro e das aprendizes da arte, Plínio conseguiu anexar em sua protagonista de Navalha na Carne, Neusa Sueli, um misto de ódio, amor e opressão em um só corpo de “puta velha”.
Foi ator, escritor, diretor e jornalista. Não necessariamente nessa ordem e nem necessariamente quando queria. Na década de 80, assim como outras centenas de artistas, sofreu com a censura, mas já havia plantado no imaginário de seu público personagens realistas ao extremo e doloridos feito soco na boca do estômago.
Quando assisto alguma montagem onde qualquer personagem desse universo aparece de salto alto, vestidinho florido ou muito bem maquiada, eu penso: sagrada família! Que merda é essa?
Parece-me que esses personagens que são, sem nenhum segredo, um grito, uma denúncia, quase um manifesto desse mundo onde se finge inexistência, continuam esquecidos ou subentendidos.
Não há puta de cais com Louis Vuitton. Não há cafetão com camisa Lacoste. Envergonha-me as pesquisas, as visões e as direções que permitem que uma puta de 1970 pareça moça de luxo na Oscar Freire. Como diria o mestre Marco Antônio Braz: “Se o autor se importou em descrever e escrever, respeite.”
Em suas obras, expõe o ser humano na berlinda da sobrevivência ao ponto de morrer e matar por conta de um sapato. Plínio também trabalhou na TV Tupi, escreveu novelas, mas seu amor era pelo palco. Tudo que escrevia dava em teatro. Até teatro infantil se meteu a escrever! O pai do menino Querô, outro destaque na sua obra dramatúrgica, até em circo trabalhou. Na verdade, Plínio, assim como suas personagens, lutava pela sobrevivência. Homens de papel, Dois perdidos numa noite suja e O abajur lilás são destaques na carreira do “sujo”. Morreu em São Paulo, aos 64 anos, vítima de um derrame cerebral.
Plínio está nas calçadas. No varal estendendo roupa pela manhã. No feijão com farinha às 6 da tarde. No catador de papelão. Na cracolândia. No inferninho do centro. No porto de Santos. No aluguel atrasado. No capitalismo. Na opressão do poder. No “Zé” que pede um real pra comida visivelmente ansioso pela pedra 40. Não há ficção em suas obras. Não há mistérios.
Plínio está nos seres humanos que “fingimos que esquecemos.”
Tem que ter culhão, muito culhão pra encenar as suas crias. É um golpe de realidade a cada linha, a cada conflito na mesa do almoço. É o filho que não pode nascer, é a puta que ama e é tuberculosa, o traficante explorador…
Vamos agora até o centro da cidade. Observe por cinco minutos: há Plínio até em rodapé de banco. Até em adesivo de sexo oral no orelhão.
Plínio Marcos de Barros é o porta voz de uma classe que usa a noite como amuleto de sorte. É o poeta de um submundo iluminado por abajur quebrado. Não queira me servir caviar em marmita requentada. As linhas do amante de camisa xadrez só nos mostram a importância e o grito de quem ama e sobrevive de um ovo frito.