Pode abrir o livro?

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Uma pergunta e o que ela pode dizer sobre quem está olhando um livro

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Às vezes as pessoas têm atitudes curiosas na frente dos livros. Fui vendedor por mais de um ano na Poetria Livros e Arte, livraria de rua que funcionou até maio de 2015, e esse ano estou de freelance na Arte e Letra, que tem um espaço na 35ª Semana Literária do Sesc em Curitiba, de 12 a 17 de setembro; e mais do que vender livros minha matéria-prima era e é gente.

A feira acontece na Praça Santos Andrade, em frente às escadarias de um dos prédios da Universidade Federal do Paraná, na versão curitibana da Rua XV de Novembro; além da faculdade, há comércio em volta – banquinhas, restaurantes, sebo, hotel, distribuidora, acesso pra pontos de ônibus e outros pontos-chave ali perto, bem cara de centro da cidade. Pra ratos de feira feito eu, meus parceiros aqui do site, talvez você e mais alguns viciados, o lugar dá chance pra encontrar e ouvir autores convidados às mesas-redondas possíveis – Marina Colasanti, Marcia Tiburi, Miguel Sanches Neto, Sérgio Rodrigues e mais uma galera já veio aqui.

E também pra comprar livros com desconto, desde os mais ‘comuns’ – facilmente achados em livrarias físicas, virtuais e sebos – aos mais direcionados, especialmente livros técnicos de áreas diversas e editoras acadêmicas. Enquanto vendedor freela na edição desse ano, algumas pessoas que atendi me lembraram de experiências anteriores, quando participei do mesmo evento pela Poetria em 2014.

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Chega uma pessoa, olha os livros com cara de quem ensaia uma pergunta ou se decide por um livro, é aquele ali, mas está fechado, ou plastificado, arrisca: ‘dá pra abrir o livro?’. Claro, tá lá pra isso. Mesmo se não levar, tá liberado passear de página a outra. Se tem quem leve uma pilha à mesa e dela saia com apenas um, ou fuce as estantes por conta e compre uns cinco, olhar o livro é mais do que válido.

A pergunta me faz pensar em duas coisas. A primeira pode ser mera educação, feito maneiras hoje chamadas antigas de chamar uma pessoa mais velha, ou com quem não se tem intimidade, de senhor ou senhora em vez de você logo de cara. Nada estranho, pode ser apenas isso. A segunda tem a ver com livros – e impressões minhas.

Parte do público parece não ter intimidade com livros. É quase um objeto de outro universo, ou uma daquelas mobílias largadas em um canto da casa e usadas em ocasiões protocolares. Gente acostumada saca dúzias de informações antes de chegar no conteúdo: editora, ano, tradução, reimpressão, chuta mentalmente quantas unidades aquele vendeu pra chegar na 3ª tiragem etc; tem quem passe reto e abra porque pode, vai por curiosidade. Se o livro cativar, a pessoa usa o tempo e o dinheiro que não tem e viaja, deixa ela. Também pode ser alguém ‘escolado’ em escolher livros e fazer a mesma coisa, voando de página a outra sem cerimônia, queda livre sem efeito colateral (quem nunca?).

Na minha interpretação, uma feira dessas mistura desde o público mais cult/intelectual/pesquisador/entusiasta/acostumado/fãs de autores aos que ainda não o são, e talvez nem queiram. É diferente de matar o tempo em uma livraria de shopping  que está no caminho (às vezes ótimas para comprar videogames ou CDs e depois os livros), ir a uma livraria de rua (Curitiba ainda tem) ou sebo porque já se sabe o que elas têm. No centro, fácil pra qualquer um, mesmo que parte do público sequer se importe com um evento assim, o conheça, busque uma chance pra alimentar a própria biblioteca ou qualquer objetivo facilmente associado a frequentadores de eventos literários.

Não tenho estatísticas ou artigos pra embasar, e mesmo se os tivesse desconfio que não ajudariam tanto; mesmo os mais fiéis poderiam ser reduzidos a viés de confirmação ou negação, contando uma parte de um todo complexo demais pra caber em números ou matérias. Média de cinquenta a duzentas vendas por dia somando todos os presentes, estoques zerados, bolsos com aquele extra que vale por três meses, natural conversa de comerciante – ou informação cuspida mídia afora pra ostentar que ‘oh temos leitores’.  Vendendo, folheando, comprando e enfim lendo (tomara!), todos vão abrir o livro.

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