A poesia inteira do ‘Poétiquase’

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Bruna Kalil Othero, colunista do Homo Literatus, dá a luz à sua “lírica instantânea”

Bruna Kalil Othero
Bruna Kalil Othero, a autora (foto de Juliana Braga)

Foi com grande receio que aceitei o desafio de falar sobre o livro da Bruna Kalil Othero. Eu, que sempre fui apaixonado por poesia, que escrevo contos que flertam com o lírico, às vezes me pego pensando que não entendo nada do gênero. Relegado ao limbo pela literatura contemporânea, a poesia se esforça para florescer em meio a um mercado, por uma preferência por parte dos leitores, repleto de narrativas. A jovem Bruna Othero é uma dessas vozes que tentam semear no asfalto.

Poétiquase: lírica instantânea é o seu primeiro livro de poemas. O livro é divido em quatro partes: “fim do mundo”, “exiliada no chão perdida feroz”, “caos que me assossega” e “tesão que alfabeta”, cujos eixos guiam as temáticas dos textos. Imagino que não deve ser fácil ser poeta em Minas Gerais depois de um Drummond – como é difícil aqui no Paraná ser contemporâneo aos ecos da poesia de Leminski. Mas Bruna, apesar de se tratar de seu livro de estreia, sai-se muito bem.

Drummond, inclusive, é uma de suas grandes referências. Em vários poemas vemos seus ecos. É o caso de Primeira Destruição, no qual o eu-lírico diz “Pois tenho a alma aflita e as mãos/queimadas pelas cinzas/do mundo”, que dialoga perfeitamente com o Sentimento do mundo. O poeta de Itabira aparece novamente no belo poema Hodi(t)erno, em uma bela atualização do poema drummondiano: “no concreto/as almas de ferro viraram/100%/almas de plástico/vendidas a 1,99/em lojas de conveniência/em pátios de shopping”.

poetiquase
Poétiquase (Editora Letramento, 2015)

Bruna não tem vergonha de mostrar suas influências. O fato de citar e dialogar com vários grandes poetas do passado não diminui sua poesia. É o que acontece quando cita Manuel Bandeira em algumas oportunidades. Em uma delas, no poema Mundo Doente, o Pneumotórax de Bandeira é atualizado, mas agora em uma perspectiva mundial, e não individual. Dançar um tango argentino já não seria irônico se fosse mantido. Uma cirurgia é marcada para tentar salvar o mundo, que “não é um caso perdido, apenas não está pronto”.

Outra atualização da poesia de Bandeira se dá em “Passágengada”. O eu-lírico não pode ir embora, pois não se pode ir embora de si mesmo. Não há Pasárgada que isole alguém de seu próprio eu. Aqui, Bruna, apesar da influência clara de seu mestre, mostra uma voz autoral, construindo sua própria maneira de ver o mundo e fazer versos.

Na primeira parte do livro, “fim do mundo”, o eu-lírico varia entre um Eros e um Tânatos, entre desesperanças e utopias. Se, em um poema, ela quer ver o fim do mundo de camarote (“Primeira Destruição”), em um outro (“Soneto ao Destino – ou acaso?”) diz que “o meu café com cheiro de saudade/sussurra baixo no ouvido a verdade/e não me importa – quero viver enfim”.

Na sua temática, uma das coisas que mais chamam a atenção é a bestialidade da vida, como se um eu-lírico gritasse um “êta vida besta”. Em Hodi(t)erno, os seres correm “engomados/atrasados/para empregos que não gostam/pra comprar o que não precisam/pra matar tempos que não têm”.

Bruna tem uma herança romântica (falo do momento histórico-artístico) quando passa pelo papel o posicionamento do escritor face ao mundo. Entende, assim como Baudelaire – considerado o pai da modernidade embora aqui mostre seu ímpeto mais anacrônico – que o poeta é um ser sem encaixe no mundo, tal qual o Albatroz “exilado no chão perdido feroz” no poema “Soneto Moderno a Baudelaire”.

Falando de soneto, Bruna, quando o faz, prefere o modelo Shakespeariano (três quartetos e um dístico), em detrimento ao tradicional petrarquiano (dois quartetos e dois tercetos). Bruna recorre ao soneto poucas vezes e, quando o faz, recorre às rimas, às vezes ricas, às vezes pobres, e praticamente ignora a métrica regular (o que é um alívio). Em todo o livro, seu verso é solto, livre, em uma tentativa de desnudar não só a forma, mas o próprio eu-lírico feminino, uma das forças de seu fazer poético. O ser mulher está muito presente na sua poesia e é um tema muito pertinente ao nosso momento histórico.

Bruna só cai em alguns clichês quando passa pela temática amorosa, tema deveras explorado pela poesia, cujos novos caminhos são pedregulhosos desde que Camões passou por essas bandas. Ainda assim, há poemas muito belos dentro desse eixo temático, tal qual “Meu Coração” e “Agora Nesse Quarto”.

Para terminar, em “Tempestuosa”, Bruna faz uma bela homenagem a nomes consagrados da literatura, como Vinícius de Moraes, Walt Whitman, o já citado Carlos Drummond de Andrade, Lord Byron, Paul Verlaine, Athur Rimbaud e Clarice Lispector. Puxando um diálogo com outro poema, no qual o eu-lírico entra de mansinho no mundo poético porque não se equipara aos grandes (Garçonete Literária), podemos dizer que, se todas as palavras do mundo fossem como palavras de Bruna, ainda teríamos esperança em alguma coisa nessa vida caótica.

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