A literatura moderna já foi colocada, em diversos momentos, no banco dos réus por vários tipos de autoridades instituídas como, por exemplo, médicos e juristas. Uma das obras mais célebres que tratam do assunto é o tratado, lançado em 1900, Literaturas malsanas: estúdios de patologia literaria contemporánea, do médico e antropólogo espanhol Pompeyo Gener (1848-1920).
Pompeyo Gener divide os escritores em autores sãos e os degenerados; benéficos ou malévolos. Desse modo, o estudo da literatura é transpassado por uma série de termos técnicos comuns na medicina dessa época. Esse médico parecia estar bastante preocupado com o tipo de leitura realizada pela juventude europeia no limiar do século XX. Chega a determinar que uma literatura doentia é aquela que destila o veneno do pessimismo no cérebro dos leitores. Para o autor, essa literatura enferma poderia até causar paralisia intelectual em seus usuários.
São catalogadas, por Gener, como literaturas doentes aquelas que apelam para o gramaticismo, retoricismo, criticionismo, o naturalismo, a decadência finissecular, o pessimismo germânico, o niilismo russo e o notíciarismo. Interessante perceber que o médico, quando aborda o pessimismo alemão, sai em defesa do filósofo Schopenhauer. Para o médico espanhol, esse autor não era um derrotista e sim um ferrenho moralista. Desse modo, frisa que “em nenhum dos seus escritos pode deduzir-se que incite o suicídio, ao contrário, o condena. Como pensador, deriva da grande escola positivista do século passado” [tradução livre] (p. 290).
Em relação ao escritores russos, Gener não foi tão generoso. Salienta que essa literatura eslava é um reflexo dos impulsos selvagens de um povo bárbaro, primitivo. Daí a origem de todo o ceticismo, desespero, sensualidade e rudeza dos escritos de Tolstoi, Dostoievsky, Turguêniev e Gogol. O romance Crime e castigo é lido pelo médico como um tipo de apologia do crime, pois demonstra que “por uma série de procedimentos cerebrais (…) um indivíduo pode se convencer da utilidade e da justiça de se converter em um ladrão e assassino vulgar” (p. 330). Gener procura convencer seu leitor de que a tensão gerada entre Raskolnikov e o agente de polícia, que busca fazer com que o estudante confesse seu crime, nada mais é do que “um estado patológico russo, mas que um fenômeno psicológico humano” [tradução livre] (p. 331).
A cura para as patologias literárias elencadas por Pompeyo Gener consiste em uma terapia estética. A arte literária deveria deixar de lado o interesse em explorar os subterrâneos da experiência humana, para se alimentar “do Bem, da Beleza, da Verdade, da luz, (…), de nobreza, de superioridade, de vida intensa” [tradução livre] (p. 380). Nesse caso, o pensamento desse médico espanhol não deixa de ser habitado por uma peculiar forma de ingenuidade. Imaginar uma sociedade composta por seres autômatos e sempre felizes com a condição humana, nutridos por leituras doseáveis de obras rejubilantes, isso sim, soa um tanto doentio.