Por que as mulheres não podem ser más na literatura?

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Uma leitura das mulheres para além e dos clichês esperados delas na literatura
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Quando a autora Claire Messud publicou seu último livro, The Woman Upstairs, ela acabou brevemente nos holofotes de uma discussão que persegue mulheres dentro e fora da literatura. Sendo entrevistada, Messud encontrou-se tendo que defender a protagonista de sua história, que foi acusada de não ser “amável” o suficiente para que alguém quisesse ser seu amigo.

“Pelo amor de Deus, que tipo de pergunta é essa? Você iria querer ser amiga do Humbert Humbert?,” foi a resposta de Messud, enumerando não apenas o narrador de Lolita, mas um elenco inteiro de outros homens detestáveis, mas fascinantes para a literatura, criados por outros homens. Com isso, Messud tocou em uma das grandes pressões que se coloca em autoras e em suas protagonistas: a necessidade de ser, ou de parecer ser boa, amável, abordável; a necessidade de ser o que se entende como feminino. Um protagonista masculino que flerte nem com o preto ou o branco, mas com as regiões cinzas da existência, é um protagonista complexo, mas uma protagonista feminina que faça o mesmo: ela é detestável. Ela é nervosa, ela é problemática, esperamos que ela aprenda sua lição. Com homens, estamos acostumados a nos deixar levar pela história. Se o personagem faz sentido dentro da história, a jornada dele nos prende, por pior que seja sua personalidade. Mas ouse uma mulher fazer o mesmo, e nosso asco por ela contamina a leitura.

Quando Garota Exemplar tornou-se um sucesso de vendas, Gillian Flynn, a autora, descobriu-se abordada pelas mesmas preocupações. Mas por que ela fazia questão de criar protagonistas tão detestáveis?

Antes de entrar para a lista dos mais-vendidos, Flynn já era bastante clara quanto suas intenções de falar de mulheres que fugiam do molde feminino. Ela queria protagonistas zangadas, nada afáveis, com mentes maliciosas e criminosas. Queria desconstruir o mito da mulher que existe para ser conciliadora e boa, a personagem maternal, o bálsamo contra a violência dos homens.

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“Você precisa sorrir mais,” um estranho pode dizer, se por acaso você pertencer ao sexo feminino e estiver de cara feia; brava ou estressada, ou simplesmente distante, perdida em algum pensamento. Cobra-se da mulher ser atenciosa. Cobra-se que ela esteja presente e que seja receptiva. Uma mulher furiosa é uma abominação. Uma mulher má é abominação ainda maior, é território de contos-de-fadas, com madrastas envenenado suas enteadas mais belas e mais jovens. Quando uma autora cria uma personagem de moral questionável, pergunta-se que monstro é aquele. Encara-se a autora: que monstro você é?

Várias vezes, conta Flynn, ela foi abordada por pessoas que tentavam conciliar seu sexo com as coisas que escrevia. Mas certamente deve haver algum problema, imaginavam seus entrevistadores. Queriam saber da vida pessoal de Flynn: ela odiava a mãe, o pai, tanto quanto sua protagonista odiava a própria família? Ela odiava o marido? Qual era o dano na mente de Flynn, para querer escrever sobre personagens tão cheias de ódio? Personagens de quem ninguém gostaria de se aproximar, de quem ninguém seria amigo. Flynn foi acusada de misoginia, por ousar representar mulheres de uma forma pouco lisonjeira. Ela se defendeu: mantém ser feminista, e que feminismo é também poder mostrar a mulher sob uma visão nada idealista, a mulher que sente e que odeia e que erra, mesmo que não se arrependa de seus erros. A protagonista má. A protagonista que não abraça e nem procura representar todas as virtudes. Por que qual mulher, na vida real, pode ser assim?

Não que não tentem: a sociedade se esforça para nos dizer como ser mais femininas, todos os dias. Raspe as pernas, vista isso, não vista aquilo; sorria. A sociedade diz que queremos ser mães, e então nos manda ser boas mães. Diz que queremos ser esposas, então nos manda ser boas esposas, atentas às necessidades dos nossos maridos. A sociedade nos diz para ser delicadas, compreensivas, para doar sentimentos quando sentimentos sobram a alguém. A sociedade não quer voz feminina erguida, não quer lidar com os sentimentos obscuros, não-resolvidos; com amargor, ou com a possibilidade de uma mulher ser calculadamente má. Nós perdoamos Jamie Lannister por atirar um garoto de uma janela, mas nunca vamos perdoar Catelyn Stark por desafiar seu papel maternal e ser fria com Jon Snow.

Em tempos de ainda se acreditar em protagonistas femininas como pessoas de que devemos gostar, a bruxa má, ou mesmo a bruxa só ocasionalmente suspeita, é um ato de revolução.

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