O elemento trágico em ‘Prometeu Acorrentado’, segundo Hegel, Schopenhauer e Nietzsche

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O elemento trágico em ‘Prometeu Acorrentado’, segundo Hegel, Schopenhauer e Nietzsche

A obra Prometeu Acorrentado foi escrita por Ésquilo por volta de 462 a.C. à 459 a.C, a qual narra a história do Titã Prometeu e sua prisão. Leia abaixo como Hegel, Schopenhauer e Nietzsche interpretavam essa obra!

A peça começa com Vulcano (Hefesto), Poder e Violência levando Prometeu a uma terra distante com o objetivo de o prenderem lá por ordem de Júpiter (Zeus). Vulcano prende Prometeu a uma rocha na inóspita Cítia enquanto Poder e Violência o vigiavam. Após as três divindades saírem, Prometeu começa a lamentar-se pelo destino atroz que recebera, contudo admite ter previsto todos os acontecimentos que lhe aconteceram, além de revelar também o futuro em que Júpiter necessitará novamente de sua ajuda. O Coro, composto pelas filhas do Oceano (Poseidon), chega e lamentam ao lado de Prometeu, que torna a dizer que Júpiter precisará dele.

Em seguida Prometeu começa a contar como foi a luta de Júpiter contra os Titãs, como ele evitou que a humanidade fosse destruída e os benefícios que obteve para os mortais. Após o relato do acorrentado, Oceano chega e exorta-o, alegando que este deve dirigir-se a Júpiter com humildade a fim de obter dele a libertação e fala que intercederá em seu favor diante do irmão, mas Prometeu o faz desistir desta ideia.

Com a saída de Oceano, o Coro torna a lamentar o destino de Prometeu e nesse momento ele começa a contar o seu pecado: que todas as artes possuídas pelos homens foram dadas por ele, como a construção de casas e navios, a domesticação de animais, a escrita, os números, os remédios, a adivinhação, culinária, fundição e trabalho com ferro, etc. Após esse relato, o Coro diz a Prometeu o quanto é perigoso contrariar Júpiter.

Neste momento chega , filha de Ínaco e amante de Júpiter, perseguida desde Argos pela incessante picada de um inseto enviado pela ciumenta Juno (Hera). E ela conta a Prometeu e ao Coro suas desgraças. Prometeu revela as coisas que irão lhe acontecer até chegar ao seu destino e que um de seus descendentes será o seu libertador um dia.  volta a fugir da aguilhoada do inseto e segue em direção ao destino.

Quando Ió vai embora, Prometeu revela, finalmente, que o filho gerado por Júpiter num casamento próximo o destronará, e que somente ele sabe como impedir esse fato. Ao terminar de falar sobre o futuro filho de Júpiter, Mercúrio (Hermes) aparece com a intenção de interrogá-lo sobre quem destronará o deus trovão, mas Prometeu orgulhoso se recusa a revelar qualquer coisa. Mercúrio o avisa que Júpiter lhe dará novos castigos: um trovão o lançará no fundo da terra e, quando voltar à luz, uma águia virá para comer-lhe o fígado diariamente. Novamente Prometeu se recusa e ao escutar mais uma vez seu pedido negado, Mercúrio sai e deixa novamente Prometeu lamentando para o Coro e diz que já consegue ouvir o trovão de Júpiter aproximando-se.

Prometeu: Com efeito, não foi uma ameaça, apenas; a terra põe-se a tremer… O soturno ronco já se faz ouvir… Turbilhões de poeira se erguem… Todos os furacões desencadeados parece que estão contra mim! Contra mim, é que Júpiter desfecha tão horrendo cataclismo. (ÉSQUILO. Prometeu acorrentado. Pg. 69).

 

A interpretação de Prometeu Acorrentado

A peça narra o encarceramento de Prometeu, os motivos pelo qual está sofrendo e aquele que seria o seu libertador e destronaria Júpiter. A partir desses acontecimentos, a tragédia se faz. Mas uma pergunta central que envolve está matéria é como os seguintes teóricos, Hegel, Schopenhauer e Nietzsche, definem a tragédia grega e como ela se insere nessas definições.

Para Hegel, a tragédia grega não se caracteriza pela moral ou pela crítica exercida, mas sim pelo metafísico, o transcendente.

Desta e de outras formas, a definição de tragédia tornou-se uma definição centrada num tipo especial de ação espiritual, mais do que em acontecimentos específicos, e uma metafísica da tragédia substitui a ênfase moral, seja a crítica, seja a comum. (WILLIAMS, R. Tragédia Moderna. Trad. Betina Bischof. São Paulo, Cosac & Naify, 2002. Pp.54).

Esta logo é facilmente percebida pelo fato de os personagens serem os deuses, tornando assim o conflito entre seres imortais dotados de poder e sabedoria, diferentes das outras tragédias que contemplam conflitos entre semideuses, reis, rainhas, príncipes contra os deuses, elevando assim toda a questão metafísica que se estende na peça. Ao tratar de assuntos divinos, questões políticas “do alto”, a tragédia se revela extremamente metafísica, pois não será um embate entre o mortal pecador e o divino sábio, mas sim entre poderosos seres. Eles não são joguetes como os mortais, entretanto isso não significa que não possam cometer o erro; mesmo sendo seres divinos, ainda há o pecado, o erro trágico, configurando assim a peça como sendo trágica. Através do pecado de Prometeu, é possível perceber o lado humano dos deuses, um lado passível de erro, mas diferente do pecado humano, o qual é julgado pelos deuses. Um pecado divino será julgado por quem? Quem julgará os deuses?

Durante a peça, o Destino se mostrou aquele com poder para julgar os deuses e seus pecados. Quando Júpiter toma o trono de seu pai Saturno para si, tenta matar os seres humanos e castiga Prometeu por este ter dado aos mortais a chama da sabedoria, a capacidade de viverem, é quando o destino intervém e faz com que um dos filhos de Júpiter, Héracles, o derrube do trono e liberte seu antigo inimigo, revelando assim que até mesmo os deuses são passíveis de erro – não apenas um erro comum, mas o trágico.

Hegel também analisa de forma diferente o sofrimento. Para ele, esse sentimento tem sua importância na tragédia, mas não é um mero sofrimento, e sim aquilo que causa o sofrimento no herói.

A tragédia considera o sofrimento como “pendente sobre personagens ativas inteiramente como consequência do seu próprio ato” e reconhece, além disso, a “substância ética” desse ato – um envolvimento da personagem trágica com ele. (WILLIAMS, R. Tragédia Moderna. Pg. 54).

No mito que conta a saga de Prometeu acontece uma série de erros trágicos, desde a profecia recebida por Saturno em que um dos seus filhos o destronaria até a profecia feita por Prometeu que aquele que o libertaria também destronaria Júpiter. Mas, tendo a peça como foco, o erro trágico ocorrido pelo herói é quando Prometeu se nega a dizer como impedir o nascimento de Héracles. Este momento determinou tanto a peça quanto o mito, porque quando Prometeu se negou a revelar qual casamento de Júpiter faria nascer aquele que haveria de derrubar o próprio pai do trono e o libertar, fez com que a ira de seu inimigo transbordasse, ocasionando assim mais males a sua vida imortal.

Já a teoria apresentada por Schopenhauer vai totalmente contra o sentido empregado por Hegel na tragédia: enquanto Hegel defende a ideia do trágico através do metafísico e das ações dos personagens, Schopenhauer considera isso irrelevante. Para ele, o trágico se dá através da resignação do herói trágico diante da vida, a renúncia da vida e do desejo de viver, pois somente pela renúncia é que o herói poderá expiar os crimes que cometera. Contudo, Prometeu não renuncia à vida e nem ao desejo de viver. Mesmo que ele tenha cometido crimes contras os deuses e tenha sofrido “duras penas”, em nenhum momento deseja a morte.

Como suportarias, então, os tormentos que padeço eu, que estou impossibilitado de morrer! A morte ser-te-á, ao menos, o fim de teus sofrimentos, ao passo que minhas dores só terão fim quando Júpiter for despojado de seu poder. (ÉSQUILO. Prometeu acorrentado. Pg. 48).

Levando a conclusão de que Prometeu, mesmo falando sobre a morte e lamentando os seus infortúnios, não desistiu da vida, pois ele sabia que Júpiter teria um filho e esse filho o destronaria, é possível concluir que sob a teoria de Schopenhauer Prometeu Acorrentado não seria considerado trágico por não desistir do desejo de viver.

Em Nietzsche o que se altera não é a análise schopenhaueriana da tragédia, mas o sentido que ela provoca. O autor busca entender o sofrimento não por um viés pessimista, mas entender o sofrimento trágico como algo para transcender.

Ela cria heróis, mas com o objetivo de destruí-los, como um modo de afirmar a unidade primordial e a alegria da vida. (WILLIAMS, R. Tragédia Moderna. Pg. 61).

Mas como é possível chegar ao transcendente através do sofrimento? Para Nietzsche, a tragédia não possui efeito moral, mas estético, e dessa forma é possível chegar ao transcendente. A peça trágica se apresenta através do herói trágico e do mito contado, o herói recebe as dores dos homens e essas dores foram ocasionadas pela busca da sabedoria, apresentando assim um universo onde o herói se sacrificou pelos humanos.

Ela não coloca ao seu lado o mito trágico e o herói trágico. Como um poderoso Titã, o herói trágico carrega em seus ombros o mundo dionisíaco em sua totalidade, removendo de nós o fardo. Ao mesmo tempo, o mito trágico, por meio da figura do herói, nos liberta da nossa ávida sede de satisfação terrena e nos faz lembrar uma outra existência e um deleite mais alto. (WILLIAMS, R. Tragédia Moderna. Pg. 64).

Na obra analisada foi possível perceber a mudança que a peça analisada sofria conforme a mudança da teoria utilizada. Enquanto para Hegel e Nietzsche a peça Prometeu Acorrentado pode ser considerada como trágica – pela presença do transcendente e do sofrimento ocasionado pelos atos de Prometeu, no caso de Hegel, e por haver o transcendente no pensamento do público perante o herói que lhes proporcionou a ciência, no caso de Nietzsche – ao analisar a peça sob a teoria de Schopenhauer, esta não se mostrou trágica, porque o herói não desistiu da vida e nem do desejo de viver. Então é perceptível que o que é trágico muda conforme a teoria utilizada, tornado assim o conceito de trágico, peça trágica, algo subjetivo, cambiando conforme a teoria.

 

Bibliografia:

ÉSQUILO. Prometeu acorrentado. Tradução de J. B. de Melo e Souza. 2005.WILLIAMS, R. Tragédia Moderna. Trad. Betina Bischof. São Paulo, Cosac & Naify, 2002.

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