Prostituição, sexo e ego masculino: sobre o novo romance de Elvira Vigna

Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, romance de Elvira Vigna, trata de temas ainda pouco explorados na literatura brasileira e que devem ser discutidos

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Ao começar a ler Como se estivéssemos em palimpsesto de putas (2016), de Elvira Vigna, a primeira coisa que salta aos olhos é a linguagem, que rompe com o tradicionalismo literário, e depois as temáticas nele apresentadas, as quais saem do que é corriqueiro e frequente na literatura brasileira.

A narradora apresenta um vocabulário simples, direto, com frases curtas e poucos adjetivos, marcado pela oralidade. Os fatos apresentados não estão dispostos de modo linear no romance, o qual é composto em blocos, por meio de fragmentos, pensamentos e memórias, reflexões e até suposições sobre aquilo que poderia ter sido, mas que não há como saber: um constante jogo de linguagem que exige um leitor atento.

De início, o romance traz o personagem João em diálogo com a narradora. Um homem maduro e casado que narra suas constantes saídas com prostitutas para sua colega de trabalho, que ele parece julgar ser lésbica pelo seu modo de vestir e sua cara fechada, e que parece que pensar que ela é uma boa pessoa para conversar sobre o assunto, uma vez que ela mora com uma prostituta; talvez conseguiria entendê-lo. João apresenta-se como um homem um tanto caricato, bastante egocêntrico, um tanto babaca e também machista. No entanto, julga-se transgressor e acredita que as prostitutas com as quais se relacionou também são transgressoras em suas vidas.

João tem duas vidas. Uma que ele julga transgressora, na qual vive encontrando-se com prostitutas em viagens de trabalho e até levando-as para hotéis onde ele se instalava; estas mulheres, julgadas como transgressoras, são apresentadas por ele como meras ferramentas e peças em sua vida, para sua habitual tentativa de se sentir bem e vivo.  A outra vida, que ele parece julgar necessária e inatingível, é ao lado de Lola, sua esposa; uma vida bem montada e estável, onde a sua mulher parece ser mero ornamento, ou também uma simples ferramenta para o seu bem-estar.

De fato, no início do romance, ele é o típico homem que tem como lema: liberdade, aventuras sexuais e constantes risadas. Uma caricatura de homem machista. No entanto, conforme fatos são apresentados pela narradora, João passar a ser um homem de mais carne e osso, se assim é possível dizer. Não deixa de ser um homem machista, mas é apresentado como um ser humano com medos, emoções, extremamente frágil (como todo ser humano) e repleto de contradições, não somente em suas práticas, mas também em seus pensamentos, isto é, por meio de fatos que a narradora apresenta e que surpreende o leitor: o típico babaca ganha dimensões humanas.

Elvira Vigna, em Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, apresenta ainda um texto totalmente contrário a visões estereotipadas no que diz respeito à prostituição e ao sexo. Suas visões sobre ambos assuntos estão longe de preconceitos, idealizações e exageros literários que beiram achismos e visões deturpadas.

Em relação ao sexo, o romance de Vigna não o trata como boa parte do mercado editorial. Pelo contrário, o sexo é descrito como parte da necessidade humana, que não, necessariamente, é belo. Pode ser, e muitas vezes o é, sujo e feito às pressas, de qualquer maneira para suprir necessidades subjetivas. Uma visão crua e bastante realista do que é o sexo na maioria das vezes, sem sentimentalismo barato, sem grandes questionamentos existenciais e sem visões politicamente corretas.

Também não há visões politicamente corretas em relação à representação da prostituta no romance. As prostitutas com as quais o personagem João se envolvia, pagando ou não pelo sexo, não são representadas como deusas da sexualidade e também não são representadas de modo de modo preconceituoso, como reles mulheres que ganham a vida com sexo,  seres sem carga e dimensão humana, apenas objetos de desejo. E isto que é bastante interessante no livro. São apresentadas como seres humanos, iguais a todos nós, com suas vidas sociais e seus problemas, sua família e seus sonhos. São mulheres que são prostitutas e batalham todos os dias para sobreviver neste imenso caos que é a vida. A impressão que temos, ao ler o romance é que João, de fato, fala das prostitutas de modo bastante caricatural, mas a narradora expande isso, apresenta-nos fatos e detalhes que marcam pontualmente a condição de ser humano, que merece respeito, das mulheres que se prostituem.

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Como se estivéssemos em palimpsesto de putas (Companhia Das Letras, 2016)

Outra questão muito marcada no romance e que deve, inclusive, chamar muito a atenção de suas leitoras mulheres é a figura do homem enquanto conquistador, se assim podemos dizer. A narradora quebra a visão do macho-foda-comedor-conquistador-irresistível. Apresenta a disputa de egos que os homens vivenciam, o jogo no qual disputam quem é mais homem. Homens que, em suas viagens e em seu trabalho, buscam ser superiores aos amigos e colegas de trabalho em relação ao quesito sexo, em relação às mulheres. Um eterno jogo de egos para ver quem é mais homem de acordo com quem se relaciona com mais mulheres, um jogo quantitativo bizarro. Mulheres estas, envolvidas em suas aventuras sexuais, que em grande parte são universitárias e mães tentando tirar uma grana para conseguirem estudar e dar de comer aos seus filhos, enfim: ter uma vida relativamente digna.

Estela Santos
Colaboradora do Homo Literatus, professora, mestra em Letras - Estudos Literários e mediadora do #LeiaMulheres. Twitter: @psantosestela
Estela Santos
Colaboradora do Homo Literatus, professora, mestra em Letras - Estudos Literários e mediadora do #LeiaMulheres. Twitter: @psantosestela
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