As Putas Tristes de Gabriel García Márquez

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 O paradoxo de um velhão decrépito, o personagem principal, e o contraponto de uma virgem que lhe foi oferecida de mala e cuia, feito presente de ocasião datada.

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Gabriel García Márquez

Nossa linguagem ancestral é a origem de nossas paixões malignas. O demônio em forma de macaco é o nosso avô…”

– Darwin

Ler Gabriel García Márquez é um prazer.

Cem Anos de Solidão é um dos melhores cem livros que li em toda a minha vida de ledor voraz. A latinidade lírico-fantástica de García Márquez orgulha toda uma época. Ele é um patrimônio dessa nossa panamérica-latina em pó, principalmente espanhola. Quando vi o último trabalho dele, Memórias de Minhas Putas Tristes, tradução excelente de Eric Nepomuceno, Editora Record, na lista dos mais vendidos, fanático pelo Garcia Márquez que sou, corri comprar. E li de uma só pegada. E reli com zelo, depois, fiquei de butuca. Será o impossível? Esperava mais.

Memórias inventadas dão o que pensar. García Márquez tem essa estirpe. Comecei a ler e gostei e fui na fiúza e escarafunchei de só parar o gran finale quando acabasse. Pois é: o Putas Tristes com perdão do trocadilho, já não é um puta livro. Sequer é um romance, é, ponhamos assim, um conto grande, um contão que seja; que ele ainda inventou de inventar mais, e aumentou e, aqui e ali, conjeturou, caiu pelas tabelas, desdisse, foi em frente, quando se viu, o que seria só uma obra escrita enquanto conto ficcional, claro, transmutou-se em um quase pequeno romance, mas, convenhamos, não está exatamente à altura do autor com seu renome e talento e criatividade graciosa.

O paradoxo de um velhão decrépito, o personagem principal, e o contraponto de uma virgem que lhe foi oferecida de mala e cuia, feito presente de ocasião datada. E a menina-memória foi remoçada. E o velho no seu apagão foi reviçando. Fim e começo, senectude e virgindade, puta e escritor, tudo no mesmo “balaio criacional”. Ficou bonito de ler assim, de supetão, nas férias, pra passar o tempo. Depois de lido ficou o sabor do quase. De fruta sem doce. Uva verde, trabalho que veio com um puta nome, foi lido com puta tesão, não empolgou, deu o que pensar, mas não passou disso, uma pena.

A linguagem-de-crônica do Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Marquez em muito me agrada. Essa história de amor (por assim dizer) entre um ancião burocrata démodé e uma ninfeta é corajosa com o renome que ele tem. Mas Lolita, de Nabokov, foi melhor estruturado enquanto romance mesmo, não é um conto acrescido de crescimento ocupacional no contexto e pronto. Um hino de louvor à vida? É mais uma espécie de hino de louvor ao machismo latino-americano. Um hino de louvor ao amor?

A bela adormecida aqui, no caso, a rapariga Delgadina acoitada pela Rosa Cabarcas é só mais uma triste ocasião limitacional de uma criança sendo abusada. Personagem principal humano? Dá que calar também. O medo do amor é o medo de si mesmo, numa situação infame e de risco. Medos, ridicularidades, situações pueris aqui e ali, o personagem decrépito e a criança tentando sobreviver – corpo e coragem – na sua miserabilidade aproveitada, infância roubada que seja. A música como pano de fundo. A impotência numa situação subliminar. Memórias inventadas e evocações por certo inglórias. Macaquices.

Eu esperava muito mais do livro. Será que eu estou ficando um ledor perigoso? Eu esperava mais do autor que estava dez anos sem escrever romances. Acho que ele próprio esperava mais dele mesmo. Quem tem um nome a zelar, não pode só deitar na cama e esperar a fleuma. Há riscos. Putas Tristes foi um tiro no pé. Tentações obscenas nem sempre caem bem, impurezas e falsos moralismos à parte. Um conto que caberia bem num almanaque de um jornal provinciano, num sarau de beira de estrada, não como romance de um puta escritor que Gabriel Garcia Márquez o é. A imaginação do escritor foi inundada?

Mas Gabriel García Marques tem crédito. Com tanta porcaria paulocoelhana que se lê pelai, o Putas Tristes é um quase prazer e quase deguste mesmo que passageiro e algo frugal. Mas eu preferia no caso e em força das circunstancias letrais, o Dois Irmãos do Milton Hatoum que li em seguida e, confesso, li e babei.

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