Qual é o poder da literatura infanto-juvenil em nossa sociedade?

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“A pessoa que não recebe a chance de provocar sua habilidade imaginativa pode, no futuro, ser alguém sem tato para compreender e modificar positivamente a sua própria realidade.”

Foto: Pratham Books

Este é um daqueles textos em que o escritor parte de sua própria vivência para dizer algo que provavelmente afetará todo mundo. Neste caso, será impossível você não se identificar ou conter o impulso de pensar sobre si mesmo enquanto estiver lendo isto aqui, pois tratarei justamente da infância. E creio eu, todos nós já passamos por ela e muitos terão de revivê-la através dos filhos. Eu me recordava de ter sido proibida de ler certos livros quando criança, e também de ser chamada de esquisita por alguns colegas por ler algumas coisinhas que pareciam avançadas para minha idade. O que meus colegas ou meus pais provavelmente não sabiam (ou talvez soubessem), é que eu precisava explorar todos aqueles universos até me encaixar em um, até compreendê-los. Precisamos. Eu absorvia aquelas histórias e criava links delas com a vida real, modificando tanto o significado que eu tinha da realidade quanto o das palavras que lia, crescendo como leitora e como ser humano ao mesmo tempo. Hoje, digo por mim e por tantos exemplos que conheço, percebo que esses contatos iniciais que tive com a literatura lá na infância fazem toda diferença. A leitura infantil contribui, e muito, no desenvolvimento da sociedade.

Muita gente anda dizendo que os livros estão se tornando coisa do passado, que a Internet destrói qualquer expectativa de fazer uma criança ou um jovem gostar de livros quando se tem tanta diversão pelas redes. Bem, isso, em minha opinião, está bem longe de acontecer. Na verdade, eles têm acesso a muitos textos pela Internet. Conheço muitas crianças e adolescentes que têm como passatempo preferido ler e escrever fanfics, por exemplo, e vários deles passaram do computador para os impressos e começaram a ler livros bem robustos e interessantes sem achar entediante. Isso acontece porque o prazer proporcionado pela leitura é sentido por eles, independentemente de como eles chegaram ali. É fato, entretanto, que a atmosfera em que eles vivem deve favorecer a procura.

Uma menina que nunca recebeu incentivo à leitura, que convive com pessoas que não leem, dificilmente vai se interessar. Eu sempre me lembro da Matilda, personagem do livro de Roald Dahl, quando reflito sobre isso… Ela convivia com pessoas completamente desinteressadas por literatura, inclusive na escola – com exceção a sua professora, a única personagem adulta que se preocupava com a questão –, mas teve a sorte (ou milagre) de descobrir esse caminho por si só. Com o passar dos anos, fica cada vez mais difícil fazer a pessoa se interessar pela leitura. Um garoto de dois anos é facilmente convencido de que os livros lhe farão muito bem, ele vai adorar brincar com seus livrinhos de plástico ou borracha, ele vai adorar escutar histórias. Um menino de doze anos, porém, que teve pouco ou nenhum contato com esse universo será bem menos favorável a aceitá-lo. Quando esse menino for um jovem de quinze, tudo está quase perdido e, quando ele chega à idade adulta, é certo de já é tarde para que ele desenvolva o gosto. Eles irão encarar a leitura como algo enfadonho, pois não foram condicionados a enxergar os mundos por ela criados. Muitos pais julgam que as crianças que ainda não sabem ler não vão gostar de livros, mas essa é uma visão equivocada; elas se interessarão pelas cores, pelos formatos, pelos nomes que darão para o que veem, criarão histórias e falas quando conseguirem compreender as imagens.

Sim… Criatividade. Quando estão maiores, as crianças aprimoram a capacidade imaginativa ouvindo histórias – isso, aliás, é assim desde os primórdios dos tempos, quando todos se reuniam ao redor da fogueira para compartilhar seus contos. Todos nós temos aquela imagem da vovozinha contando historietas para seus netinhos, que em seguida decidem brincar com os personagens e criar aventuras. Elas passam criar e recriar o que aprenderam. A pessoa que não recebe a chance de provocar sua habilidade imaginativa pode, no futuro, ser alguém sem tato para compreender e modificar positivamente a sua própria realidade. Talvez, nesse aspecto, a Internet seja um desafio, pois todas as respostas parecem muito prontas no Google e os jovens sentem preguiça de refletir e pesquisar realmente sobre os assuntos.

Essa ideia de literatura infanto-juvenil é bem nova no mundo, eu a incluo no ramo das maravilhas do mundo moderno. No início do século XX, a literatura infantil tinha como único papel moldar o indivíduo em regras de conduta, para que se adequasse à sociedade. Era literatura criada por adultos para adultos, na verdade, ignorando a necessidade das crianças de sentirem prazer ou interesse pela leitura. Considerando que as crianças eram vistas como pequenos adultos até o século XIX, entretanto, torna o erro perdoável. Hoje em dia, a perspectiva é outra: os pequenos aprendem diversos assuntos de forma bem lúdica e se reconhecem pelas histórias, identificando-se com personagens, cenários e situações. Alguns livros que lemos quando menores ficam para sempre marcados em nossos corações, em geral por conta das descobertas que fizemos por meio deles. Eu, por exemplo, fui marcada pelos romances de suspense gótico para o público infantil e até hoje esse continua a ser um dos meus gêneros preferidos, influenciando inclusive na minha escrita e, sem sombra de dúvida, na minha forma de entender o universo.

Vejo vários pais desesperados, proibindo seus filhos de lerem obras que tratam de temas polêmicos, como feminismo e sexualidade, afirmando aos quatro ventos que eles não devem ler essas coisas. Por quê? Obviamente porque, como venho dizendo no decorrer do texto, a leitura influencia muito a construção de mundo dos leitores. Se um adulto pode ser facilmente influenciado, imagine uma criança. A literatura infanto-juvenil também se adéqua aos moldes e mudanças constantes da sociedade, afinal, é escrita por leitores formados. Aquele ultrapassado formato de contos de fada vai ficando, e deve mesmo ficar, para trás… Princesinhas em torres, geralmente brancas e muito obedientes, esperando por seus adoráveis príncipes já nem mais conseguem captar tanto a atenção das nossas crianças atuais. Ainda bem, pois esses contos estão sim repletos de estereótipos perigosos que afetam demais como nós – e nossos filhos – lidamos com nossas relações pessoais. Admiro muito alguns livros que quebram esses estereótipos e passam boas histórias sem precisarem de muito alarde ou que não foram meramente escritos para alimentarem os bolsos do mercado editorial, como Pretinha de Neve e os sete gigantes, de Rubem Filho, ou o incrível A pior Princesa do mundo, de Anna Kemp. Pessoalmente, digo que aprendi muito quando minha professora da primeira série leu Uxa, ora fada, ora bruxa, de Sylvia Orthof, com a sala – e trago comigo esse aprendizado até hoje. Dizem por aí, e é uma declaração verdadeira, que ler é muito perigoso. Pronuncio também, em contrapartida: perigoso para quem?

Percebe-se, então, que a leitura não se trata somente da decodificação de símbolos (palavras), mas principalmente da interpretação das ideias transmitidas por eles e, por conseguinte, a compreensão da realidade. O leitor não apenas lê, ele vivencia uma experiência por meio da leitura. A importância de criar bons leitores está ligada ao fato de precisarmos repassar nossos ideais para as próximas gerações, para evoluirmos como cidadãos e como seres humanos, para desenvolvermos como civilização. A diferença entre uma sociedade pouco letrada para aquela que não o é, é imensa, e grande parte da instrução é passada e compreendida pela literatura. Além disso, é extremamente prazeroso.  Que tal presentear seu filho com um bom livro neste dia das crianças? Experimente produzi-lo junto com ele, será uma aventura única.

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