Qual o papel do nacionalismo na Literatura?

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Qual o papel do nacionalismo na Literatura?
Brazilian flag in front of Corcovado mountain and low/high wealth buildings.

Para responder essa pergunta, precisamos pensar primeiro o que entendemos por literatura nacional e qual o sentido de nação.

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Cesar Okada/Getty Images

Primeiro Contato

O primeiro contato que nós temos com a literatura que chamamos de brasileira é na escola, quando estudamos os períodos literários e aprendemos que no Romantismo se buscava uma valorização da natureza e do indígena.

Lemos romances como O Guarani, Iracema e outros que buscam valorizar o caráter heroico dos nativos, figuras cheia de coragem, honra e força sobre-humana, heróis e heroínas perfeitos.

Interlúdico: Intertextualidade em “Iracema” de José de Alencar
Iracema (1884), por José Maria de Medeiros (1849-1925)

À primeira vista, parece que literatura nacional é a literatura de exaltação da pátria e suas potencialidades por meio dos elementos locais.

Projeto político

Essa ideia, entretanto, surgiu para sustentar um projeto político de identidade inventada necessária para dar substância à pátria brasileira, que estava se fundando, em meio ao processo de independência de Portugal, expansão marítima, difusão da imprensa e aburguesamento das elites, a parcela da população brasileira alfabetizada e com acesso aos livros.

Era necessário criar uma unidade nacional, valorizando “bons aspectos da cultura” para manter o poder centralizado das (e nas) elites.

Benedict Anderson chama esse fenômeno de imprensa capitalista, responsável por promover uma unidade linguística, cultural e intelectual e forjar um grupo forte de “irmãos e irmãs de pátria”, irmanados pelo sentimento atávico que funda uma comunidade imaginada moldada a partir de símbolos, eventos, livros, hinos, instituições pedagógicas, entre outras.

O papel das literaturas nacionais no projeto

Pensando nisso, Doris Sommer afirma que os romances nacionais escritos na América Latina contribuíram não apenas para a consolidação do projeto político e ideológico de nação, como também se utilizam do amor heterossexual para promover a união entre elementos conflituosos.

Em outras palavras: ao invés de conquistar pela guerra, se conquista pela ideia de amor.

Pensemos, mais uma vez, em Iracema: a paixão entre a virgem dos lábios de mel e Martim, celebra a união das raças, dando, inclusive, luz ao filho que é símbolo dessa união. O final, embora trágico, traz um tom conciliatório da fundação do Ceará.

Iracema: análise literária - Português
José de Alencar, autor de “Iracema”

Em O guarani, por sua vez, Peri acaba convertido ao cristianismo, demonstrando a retidão de caráter que se esperava de todo bom homem digno e honrado.

O cenário é a floresta, mas esses personagens folclóricos precisam abandoná-la ou morrer, deixando para trás a pintura romântica e adentrando no mundo civilizado.

Imaginários

Assim, a nação imagina a literatura e a literatura imagina a nação: os românticos precisavam de um símbolo do Brasil, então construíram um pedestal e nele colocaram o indígena, fazendo com que ele fosse parecido a um dos heróis gregos que supera todas as batalhas, é altruísta, bom selvagem e cordial.

Na figura idealizada do índio foram encerrados todos os valores que gostariam de ser associados ao homem brasileiro – honra, lealdade, devoção à amada e o amor pela terra.

Nada em Iracema ou Peri representa a realidade que os indígenas sofreram com a chegada dos europeus.

No Modernismo, nova tentativa: os artistas criaram e reproduziam movimentos culturais e manifestos para resgatar a suposta identidade brasileira, surge a Semana de Arte Moderna de 1922, os quadros de Tarsila do Amaral, os poemas de Oswald de Andrade, Macunaíma, de Mário de Andrade e tantos outros.

Mário de Andrade | Enciclopédia Itaú Cultural
Retrato de Mário de Andrade, por Tarsila do Amaral

Contemporizando

Agora, na contemporaneidade, é pouco possível falar de uma literatura com plena unidade nacional, visto que ocorrerem variadas influências estrangeiras e a ideia de nação se fragmenta, as comunidades de fronteiras imaginárias se deslocaram, surgindo traduções e influências diversas.

Elvira Vigna e Victor Heringer com seus personagens marcadamente cariocas não estão preocupados em exaltar a cidade ou o país, somente relatam, pela memória, seus dramas pessoais.

Os personagens de Milton Hatoum e Ronaldo Correia de Brito não se limitam pela geografia do Norte e Nordeste. Ana Martins Marques brinca com as fronteiras em seus poemas, desenhando um mapa que está em toda parte.

Há ainda outros escritores contemporâneos que estão mais interessados em resgatar a história dos grupos marginalizados ou revisar a representação deles nos períodos onde o nacionalismo os condenou.

Além disso, os personagens contemporâneos estão todos imersos em seus próprios problemas, seus conflitos internos, de suas identidades (no plural), desistiram de lutar pela pátria e não se interessam pela manutenção do nacional. Ou, talvez, esse conceito não faça mais sentido – a não ser para os saudosistas dos movimentos integralistas ou os “conservadores” que vestem camisa da seleção e protestam em favor da censura.

Algumas referências:

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

SOMMER, Doris. Ficções de fundação: os romances nacionais da América Latina. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

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