Questionamentos e provocações de “Um romance de geração”, de Sérgio Sant’Anna

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Um Romance de Geração é mais uma das obras instigantes criadas por Sergio Sant’Anna.

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O caráter questionador é bastante presente na escrita do carioca Sérgio Sant’anna, que costuma se debruçar sobre a natureza da arte e os meandros da mente, como no caso do romance Um Crime Delicado. Noutros momentos, a exemplo do texto Conto (não conto), também se põe em cheque a estrutura da arte e do real, fazendo os pedantes de plantão bradarem que não vale realizar tantos experimentos em literatura… Certamente, a quem encara a arte (ou a intelectualidade) como algo sagrado, sisudo, obras como o romance A Tragédia Brasileira e novelas como A aula devem ser especialmente incômodas, pela introdução do elemento humorístico que parece zombar das nossas certezas no campo da estética e da vida.

Mas é Um Romance de Geração que talvez mereça o título de mais incômoda narrativa de Sérgio. E isso se dá pelo seu caráter iconoclasta, pelo humor e também pelo esgarçamento dos gêneros artísticos e da fronteira entre o que é, ou não, arte.

Trata-se de um romance estruturado como peça teatral, em que um escritor chamado Carlos Santeiro é entrevistado, em seu apartamento em Copacabana, por uma jornalista de um caderno cultural – assim podemos sintetizar esta obra, rotulada como “teatro-ficção”.

Na entrevista, Santeiro fala, entre outras coisas, sobre um casal amigo que mora num apartamento minúsculo feito o dele. Conta também, ao mesmo tempo, trechos duma obra ficcional escrita por outro amigo, baseada no cotidiano do tal casal. Simultaneamente ocorrem – entre Carlos e a jornalista – cenas semelhantes ao narrado. Acabam sendo trazidos à baila questionamentos sobre a natureza do teatro e da literatura. Onde estão os acontecimentos da narrativa que temos nas mãos? A ação real se dá entre Santeiro e a jornalista a se embriagarem de vodca, discursos, perguntas e respostas? Ou os dois são apenas ferramentas do autor para nos transmitir a “verdadeira” história, que talvez seja a dos amigos de Santeiro, ou a que se passa no interior da peça teatral criada com base neles?

Essa obra de Sérgio Sant’Anna também discute o papel do artista na sociedade e frente a autoritarismos como o instituído pelo golpe militar de 1964 no Brasil; tudo duma maneira debochada, irônica.

Quem conhece a prosa de Sérgio Sant’anna costuma correr atrás de tudo que o escritor carioca já escreveu, e seria mais que justificável garimpar sebos em busca desse Um Romance de Geração, lançado no longínquo ano de 1980. Mas não é preciso tanto: o livro foi felizmente relançado em 2009 pela Companhia das Letras. E suas provocações estão aí para todos nós, atuais como sempre.

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