Sobre o livro de Hubert Selby Jr, Réquiem Por Um Sonho, que inspirou o filme homônimo de Darren Aronofsky
Uma mãe e um filho, ambos judeus, a periferia de uma grande cidade, as drogas, os sonhos. Um caldeirão de dramas pesados abraça o leitor durante as páginas de Réquiem Por Um Sonho, de Hubert Selby Jr.
Já falei um pouco da vida e da obra de Hubert Selby Jr aqui no Homo Literatus. Um autor com um estilo peculiar e de temáticas marginais. Não havia encontrado um exemplar de Réquiem Por Um Sonho, mas depois de uma longa busca, finalmente achei e corri para ler.
Selby Jr nos apresenta a Sara e seu filho Harry. Ele, um viciado em heroína. Ela, uma dona de casa que passa longas horas na frente da TV. Também temos o amigo de Harry, Tyrone C. Love, e a namorada de Harry, Marion, uma moça de boa família, bastante culta, que também compartilha o vício com Harry e Tyrone. Na primeira página do livro, somos apresentados à realidade de como o mundo do vício funciona com Harry trancando sua mãe no armário e saindo para vender a TV. No decorrer, descobrimos o plano de Harry com Marion, que é abrir um café-teatro e viajar. Harry e Tyrone resolvem montar seu próprio negócio com heroína. Quando o dinheiro fosse suficiente, ele então largaria o negócio com as drogas e iria seguir seu sonho com Marion. Porém, as coisas não saem como planejado, a heroína some das ruas e a partir dai somos agarrados pelos braços e jogados morro abaixo – a abstinência, o desespero, tudo descrito por alguém que tem consciência total do que é viver nesse mundo.
Paralelo à história de Harry, temos a de sua mãe, Sara. Após uma ligação chamando-a para participar de um programa de TV, ela cria uma fissura por isso, quer usar seu vestido vermelho, o mesmo que usou no bar mitzvah de seu filho Harry. Porém, o vestido não cabe mais em Sara, então ela entra em uma jornada para emagrecer, partindo para métodos nada confiáveis, que a destroem totalmente.
Com o avançar do livro somos colocados diante da decadência do ser humano que faz de tudo para alcançar seu objetivo, nem que isso o destrua por completo, não importa o objetivo que seja, se está atrás da mais pura heroína, ou seu desejo em participar de um programa de TV.
Selby Jr não separa a fala de suas personagens, não usa aspa ou travessão para iniciar um diálogo, ele apenas escreve e escreve da maneira que ouve, um fluxo para não interromper a história, parágrafos que parecem não ter fim, não há uma separação por capítulos. Como se fosse uma conversa informal, repleta de gírias um vasto vocabulário de um viciado. Apesar de ser algo que incomode no principio, logo o leitor consegue acostumar-se com a forma em que o livro é escrito. Selby Jr gosta de detalhar as ações de suas personagens, descreve de maneira minuciosa como é feita a preparação da heroína até a sua aplicação. A maneira que o autor descreve faz com o que se imagine cada passo da personagem, criando uma aproximação mais estreita entre ela e o leitor.
Em meio a alucinações, dores, abstinência, loucura e tratamentos psiquiátricos desumanos, Selby Jr nos entrega o que há de mais decadente no ser humano, o que há de mais triste, um relato de quem fala com propriedade o que é ser um viciado atrás de sempre mais. Não falo apenas das drogas, mas do vício de querer sempre algo, como se nada o preenchesse. É preciso fôlego para ouvir o que Hubert Selby Jr tem a dizer.