“Já faz muito tempo e é dessas coisas que a gente conta e reconta até perder completamente o que queria dizer e nem que soubesse. Porque é dessas coisas que você nunca soube bem o que queria dizer, mas apenas que queria dizer algo, o que já é muito num mundo em que tão pouca coisa quer dizer alguma coisa”.
E assim, Elvira Vigna inicia o que é para ser, possivelmente, um prólogo de seu Coisas que os homens não entendem. Confesso que eu guardava uma ânsia pela leitura deste livro. Também um pouco de receio. Quando ouvi ano passado alguém dizer ser a Elvira a “maior romancista viva do Brasil”, fiquei a pensar o que se espera de alguém que é categorizado como “grande” e “romancista” na mesma frase. Há sempre esta questão brasileira de estarmos a criar mitos o tempo todo, figuras messiânicas que nos redimam de nossa síndrome de vira-latas, como diria Nelson Rodrigues. E eu, antes da leitura, estava ali, meio d’um pé atrás, e o outro também.
“Mas mesmo vindo, voltando, eu, tão eu, me vi tentando escapar, inventar um caminho, uma saída, porque as chegadas me assustam”; e este é um livro sobre chegadas e partidas, ou não exatamente sobre isso, é difícil definir. O fato é que se tem uma narradora, voltando de Nova York para o Brasil, a princípio, para fazer uma foto comemorativa dos quinhentos anos do país para uma revista americana. No entanto, a história não é contada de forma linear, pois a linha temporal é bagunçada propositalmente, o que imerge o leitor numa cartela de fatos que simulam os pensamentos. Claro que isso não é acidental, já que se sente a voz da escritora organizando os fatos, a seu modo. E então esta narradora-personagem hesita em voltar a Santa Tereza, mas os motivos não ficam muito claros no princípio da história, o que funciona como mecanismos de “suspense” no livro. Sabe-se que ela está voltando, que quer evitar um determinado apartamento no S-1, que ali morava o Lia e a Lia, e que alguma tragédia aconteceu; mas fora isso se foge os demais fatos, como uma memória renegada. E assim constrói-se a história.
Algo que me fez refletir ao ler este romance foi em como o humor se comporta dentro dele. Talvez isto esteja ligado ao meu posicionamento sobre o humor na literatura, como um complemento e não como enfoque. Coisas que os homens não entendem me constrangeu a uma postura de lamento, diante do tipo de humor que temos consumido no cotidiano; falta-se determinada elegância humorística que parece sobrar neste livro. Talvez não se dê risadas, mas o tom também não obedece ao humor de deboche, como o de Tchekhóv. Está mais para um gracejar maroto, como no trecho abaixo:
“Quase choram, isto sim que e bonito, e sacodem a cabeça, sem se importar que os outros vejam, homem que é homem chora quando a música é muito bonita e faz lembrar outros tempos mesmo quando não há exatamente outros tempos, são tão jovens”.
Enfim, foi desses livros que te marcam, que acabam por destruir tua concepção de romance, como se a postura fragmentada, iniciada tradicionalmente na literatura brasileira por Machado de Assis, ganhasse um novo fôlego, um novo olhar. Recomendá-lo é pouco, embora eu objete a afirmação prometida no título do livro, dado que se não lhe entendi, pude degustá-lo, além de alimentar meu vício obsceno por textos bem “virgulados”.
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