– Aí, em três dias, eu leio um livro que muda completamente a minha percepção de leitor.
Nos ônibus e na sala de aula, as pessoas olhavam intrigadas para a capa rubro-alaranjada-azuli-roxada da bela edição portátil, da editora Cosac Naify, do livro Como funciona a ficção, de James Wood. E logo ao entrar na minha sala, especificamente, recebi um comentário do tipo: “olha, o Vilto tá lendo o livro da capa bonitinha”. Eu sorri, pois pensei se fosse só a capa, já seria suficiente, mas este livro me está reensinando a ler.
Depois desta abertura nada esclarecedora, algo cada vez mais comum em minhas resenhas – reclamações nos comentários abaixo ou diretamente no sindicato dos resenhistas –, eu explico. Entretanto, primeiro vou registrar o que Wood já afirma no prefácio.
“Assim, espero que este seja um livro que faça perguntas teóricas e dê respostas práticas – ou, em outras palavras, que faça as perguntas do crítico e dê as respostas do escritor”.
Todo escritor precisa ser antes um leitor, na minha concepção, de preferência um obcecado pelo hábito anarquista da leitura. Neste quesito, James Wood parece procurar formar no aspirante a escritor uma percepção refinada na leitura, levantando perguntas e hipóteses; e respondendo com exemplos clássicos, que passam por escritores como: Shakespeare, Flaubert, Baudelaire, Tchekhov, Nabokov, Joyce, Dostoievski, Woolf, Tolstói, Saramago, Wallace, entre outros. Isto tem duas consequências práticas: 1) Mesmo o leitor não habituado aos clássicos, consegue identificar um sentido no que o autor está falando, pelo acesso às referências culturais, diante da popularidade destes autores; 2) Sua lista de “livros que quero ler” fica tão extensa que poderia exigir uma biblioteca de Alexandria só para ela.
Voltando a atenção agora às temáticas desenvolvidas no livro, o autor busca falar de todos os meandros da ficção, porém de uma forma holística; e nada cartesiana. Uma coisa está ligada à outra. Wood começa então falando sobre a narração; com destaque para o brilhante trecho inicial que reproduzo abaixo:
“A casa da ficção tem muitas janelas, mas só duas ou três portas. Posso contar uma história na primeira ou na terceira pessoa, e talvez na segunda pessoa do singular e na primeira do plural, mesmo sendo raríssimos os exemplos de casos que deram certo. E é só. Qualquer outra coisa não vai se parecer muito com uma narração, e pode estar mais perto da poesia ou do poema em prosa”.
Em seguida, os capítulos se ligam, como num esquema de notas cruzadas, indo de parte em parte: Flaubert e a narrativa moderna; Flaubert e o surgimento do flâneur; Detalhe; Personagem; Breve história da consciência; Empatia e complexidade; Linguagem; Diálogo; Verdade, convenção, realismo.
Quero deixar claro que o livro de James Wood aborda a literatura a partir do gênero realismo; entretanto, os conceitos e lições práticas podem ser aplicadas também à literatura especulativa. Há quem goste de separar as coisas, embora eu não veja esta necessidade; por exemplo, será que o realismo mágico é tão diferente da literatura especulativa?
Enfim, tornou-se um dos meus livros preferidos, que indicarei a quem quiser escrever ou tão somente entender como funciona a ficção.