Diz-se sobre Murakami que ele é o mais ocidental dos escritores orientais. Depois de ter lido Minha Querida Sputnik, penso que qualificá-lo desta maneira é limitá-lo. A partir deste livro, afirmo que ele conta histórias globais, que acima de tudo falam à alma humana.
“Uma história não é algo deste mundo. Uma verdadeira história requer uma espécie de batismo mágico para ligar o mundo deste lado ao mundo do outro lado”.
O livro conta a história de Sumire, ou melhor, de seu amigo-narrador em relação à Sumire. Os dois se conheceram na faculdade, pouco antes da garota abandonar a universidade para se dedicar a seu grande sonho, tornar-se romancista. Com vinte e dois anos, Sumire é caótica, do tipo que liga às três da manhã para perguntar a diferença de signo e símbolo. O amigo é no fundo apaixonado por ela, mas a garota não tem qualquer desejo sexual por ninguém, como fica evidente em alguns diálogos entre os dois, deixando-os apenas como melhores amigos. Tudo muda quando Sumire conhece Miu, uma empresária de trinta e sete anos, que causa um verdadeiro deslumbre na garota mais nova. As duas saem para comer e Sumire fala que está lendo Jack Kerouac, Miu lhe pergunta se é aquele escritor “Sputnik”, a garota mais nova responde que é “Beatnik”, e isto quebra o gelo entre elas.
“A partir desse dia, o nome particular de Sumire para Miu foi Querida Sputnik. Sumire adorou o som da expressão. Fazia com que pensasse em Laika, a cadela. O satélite feito pelo homem riscando a negritude do espaço sideral. Os olhos escuros, brilhantes da cadela olhando fixo pela janela minúscula. Na solidão infinita do espaço, para o que a cadela poderia estar olhando?”
A partir daí, a história enfoca na transformação, ou não, depende do ponto de vista, da desleixada e sonhadora Sumire em algo diferente, com direito a algumas reviravoltas surpreendentes.
É interessante analisar neste livro como a personagem principal dialoga com as dificuldades de um escritor em princípio de carreira, pois se sobram ideias, faltam uma forma coerente de organizá-las. Por mais que esta característica se reflita na personalidade de Sumire, não é algo somente dela, mas de todos que almejam a carreira literária ainda jovens.
“A minha cabeça é como um celeiro absurdo, cheio de coisas sobre o que eu quero escrever — disse Sumire. — Imagens, cenas, pedaços de palavras… na minha mente, todos estão brilhando, todos estão vivos. Escreva!, gritam para mim. Uma grande história está prestes a nascer, posso senti-la. Ela me transportará para um lugar totalmente novo. O problema é que, quando me sento à mesa e ponho tudo no papel, percebo que está faltando algo vital. Não cristaliza. Nenhum cristal, somente seixos. E não sou transportada a lugar nenhum”.
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O quase realismo de Murakami
“Sentia como se estivesse vivendo um sonho. Faltava o princípio que tornava outras escolhas possíveis. Ou era a escolha que tornava o princípio possível que estava faltando?”
Por mais que a prosa de Murakami misture uma leveza poética com um olhar quase surreal, o que se vê em grande parte do livro é o realismo, uma história que poderia estar acontecendo ali do seu lado. No entanto, em determinado momento, pelo menos neste livro, a trama tem uma virada de fantasia que choca o leitor, não pela brusquidão, mas pela forma como parece palpável, uma ausência de necessidade de certeza se o que ocorreu é metafórico ou literal. Simplesmente, o que eu chamaria de um “quase realismo”.
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Bom humor, poesia, música, mistério, leveza, referências, são todos elementos que compõe o livro Minha Querida Sputnik, deste genial escritor, Haruki Murakami. Recomendo muito a leitura e desde já firmo meu compromisso de falar sobre outros livros dele aqui no Homo Literatus.
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