O primeiro texto do grande escritor russo Anton Tchekhov que leio é este: o conto O Monge Negro. Posso dizer sem exagero que fiquei a salivar – sem exagero, mas não literalmente – diante da perturbadora e bela narrativa do conto.
A princípio, é apresentado o magister Andrey Vasilievich Kovrin, que esgotado e com os nervos desarranjados, dirige-se à casa de seu antigo tutor e segundo primo, Pesotzky, célebre horticultor russo. Nestas férias de verão, ele reencontra a filha do horticultor, Tania, a qual não via há cinco anos. Até aí, nada de mais, um enredo comum e pode-se afirmar previsivo, calma, há ainda algo grande por vir. Certo dia, Kovrin comenta com Tania sobre uma lenda de um monge negro que caminha por vários lugares, mostrando-se a uns ou a outros; e isto acontece de mil em mil anos. De alguma forma, ele não sabia como, mas tinha certeza, o monge apareceria para ele. Tania não compreendeu; e, ao que parece, deixou o fato passar. Kovrin saiu caminhando quase a esmo até ver de longe a estranha figura de sua história: “Os seus pés descalços não poisavam no chão. Olhou, olhou para trás, fez um aceno de cabeça a Kovrin e sorriu-lhe amavelmente, mas ao mesmo tempo com certa astúcia. O rosto do velho era magro e pálido.”
O que sucede a seguir é uma série de encontros com o monge, fato que acaba por influenciar na forma de vida de Kovrin; levando-o a se questionar se não estaria louco; ao que o monge responde:
“Eu existo na tua imaginação, e como a tua imaginação faz parte da Natureza, devo também existir na Natureza”.
Noutro momento, ele então se questiona quanto à racionalidade de ele, como um ser pensante, ter visões; mas o monge também tem resposta para isso:
“E quem te diz que todos aqueles homens de gênio que o mundo admira não tiveram visões? Hoje afirma-se que o gênio está muito perto da loucura. As pessoas saudáveis e normais não passam de simples homens, constituem o rebanho. Receios, esgotamentos, estados de degenerescência, tudo isso só pode preocupar aqueles cujos objetivos na vida se resumem ao presente. Esses é que formam o rebanho”.
Diante da fascinação das ideias, Kovrin adoece gravemente, mas até para isso, o monge tem resposta:
“Estás doente em virtude de haveres trabalhado para além de tuas forças, porque sacrificaste a saúde há uma ideia, e não vem longe o dia em que sacrificarás não só a saúde, mas também a vida. Que mais poderás desejar? É a isso que aspiram todas as naturezas nobres e bem dotadas”.
O que acontece aos personagens do conto, cabe ao leitor descobrir; não lhe roubarei o privilégio deste momento. Entretanto, volto-me para a enigmática figura do monge. Seria ele um ser imaginário? Mas o que é imaginário e o que é real? O que vemos com nossos olhos, por exemplo, nada mais é que uma projeção que nosso cérebro nos oferece. São questionamentos que o monge fácilmente desperta, proporcionando assim um vislumbre da genialidade de Tchekhov. Leitura recomendada. Principalmente, para aqueles que admiram a arte do conto.