Resenha: O Verso do Cartão de Embarque – Felipe Pena

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O melhor, e mais poético, romance de Felipe Pena, em minha opinião.

“Viajar é chegar em casa pelo caminho inverso” (pg.29).

Terceiro romance de Felipe Pena, O Verso do Cartão de Embarque tem um tom diferente dos livros ficcionais anteriores do escritor. Nele o compromisso em tratar a realidade, em partes, fragmentada, alcança outro estágio.

O protagonista é, possivelmente, outra vez, Antônio Pastoriza – como em seus dois romances anteriores, Fábrica de Diplomas e O Marido Perfeito Mora ao Lado. O primeiro capítulo traz a crônica de Pastoriza publicada no jornal antes de entrar no avião para viajar; o título dela é o mesmo do livro, inspirada no momento em que o personagem coloca o nome e o telefone no verso do cartão de embarque, antes do voo, para o caso de alguma emergência. A linguagem comumente utilizada em crônicas se junta ao lado poético, pois Pastoriza a dedica a Nina, uma ex-namorada que ninguém conhecia pelo apelido íntimo. Os capítulos seguintes se dividem entre o protagonista narrando sua viagem/história; as divertidas atas das reuniões dos professores da universidade em que Pastoriza é professor, as quais vão se prolongando, comicamente, sem nenhuma resolução quanto ao desaparecimento do personagem principal; e o mistério principal, a Nina, a quem Pastoriza se refere. A comitiva de professores envolvidos no “caso” interroga duas ex-namoradas do professor desaparecido, a nutricionista Nicole e a jornalista Berenice, prologando-se a trama por todo o livro.

o-verso-do-cartao-de-embarque-vol-3Compromissado com o “projeto do romance moderno”, este livro de Pena não descamba para um eruditismo baseado nos jogos de palavra. As frases são concisas, mas nem por isso perdem força no que precisam expressar. Além do “escrever fácil é difícil”, que o autor defende, há de se destacar a multiplicidade de linguagens dentro do livro: crônica, ata de reunião, roteiro cinematográfico e até um bate-papo de internet – com direito a smiles.

A crônica de abertura, já citada, poderia ser a sinopse do livro, não no sentido de passar uma ideia sobre a história, mas com o intuito de prender a atenção do leitor. Ninguém que lê esta crônica poderia descartar o livro; intriga e emociona desde o primeiro parágrafo, com frases como a que destaquei no início da resenha e outras, como estas duas:

“Pra ser sincero, o que te traz à memória é preencher o verso do cartão de embarque” (pg. 13).

“Não somos carne, somos letra. E nos momento em que fomos carne, também houve letra” (pg. 14).

E o que fazer para aliar um conceito literário com a vida e ainda usá-lo dentro da história? Felipe Pena mostra no trecho abaixo de O Verso do Cartão de Embarque:

 “Os outros são nossos narradores. Não há fuga para o discurso alheio que nos constrói. Estamos à mercê dos advérbios que não queremos, dos adjetivos que não merecemos, dos pronomes que não escolhemos. Nossa história não nos pertence” (pg. 147).

Evitei divagar até aqui – sim, esta seria uma resenha séria, do tipo imitação-de-suplemento-literário, mas acontece que vem com um defeito de fábrica, o autor da resenha –. Quando li “Nossa história não nos pertence”, fui obrigado a fechar o livro e ficar olhando para o nada durante uns eternos segundos. Até que ponto a ficção está ligada com a vida? Em que nível?  – não isso não afetou minha máxima de que a realidade não existe, só contribuiu para ela –. Que tipo de história deixaremos depois do último suspiro? Somente aquela que os outros narrarem. É inevitável.

Enfim, se você é do tipo que lê um livro pelo prazer do processo – e não somente para saber o que vai acontecer depois -, não tenha dúvidas que gostará de O Verso do Cartão de Embarque. É um livro daqueles que se pode ajeitar uma almofada no sofá, ou deitar-se numa rede – por favor o faça, se for possível –, e começar a lê-lo, com a certeza que ter de interromper a leitura será um sufrágio.

 

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