Craig Thompson e seu autobiográfico Retalhos mudou minha relação com os quadrinhos e as graphic novels
“Como é bom deixar uma marca na superfície branca. Fazer um mapa dos meus passos… mesmo que seja temporário”. Assim Craig Thompson termina de contar sua trajetória de menino inseguro, quieto e temeroso a um adulto que já pode reconhecer suas próprias verdades. É possível perceber a formação do indivíduo, seu encontro enquanto pessoa. E como falar de crescimento e transformação, sem se enroscar no amor? Em Retalhos, acompanhamos a infância problemática de Craig Thompson, que se encontra nos momentos em que pode desenhar, e o surgimento de Raina, jovem impulsiva e apaixonada pela escrita. Corre entre os dois o tempo de susto, surpresa e tropeços apressados, típicos das descobertas dos primeiros amores.
Ainda na infância, Thompson nos mostra a relação com o irmão mais novo, com quem dividiu a mesma cama – e uma porção de histórias imaginadas – durante anos. Já na vida adulta, acompanhamos o distanciamento natural provocado por transições de personalidade, que rompem determinadas ligações, antes tão firmes. Craig Thompson mostra um pouco do universo de quem se sente deslocado em um cotidiano tão rápido, intenso e barulhento, e me coloca cara a cara novamente com a questão: é ruim ser introvertido? As páginas delicadamente ilustradas me fizeram suspirar e ter novamente a certeza de que é possível ser só. Ainda assim, Retalhos me coloca um sorriso no rosto ao mostrar a tranquilidade de dividir seu próprio espaço com quem lhe possibilita abertura e conforto.
Talvez a história tenha me chegado em uma fase madura, ainda que cheia de descrença, enquanto isso, tive a sorte de avançar na leitura ao mesmo tempo em que me enchia de confianças outra vez nas histórias por fora do papel. Não seria esse o papel do amor? Reconstruir e tornar toda sensação outra vez acreditável. Foi assim que o livro chegou às minhas mãos, como um presente do tempo. Pelas páginas cheias de quadrinhos, ilustrações delicadas em preto e branco e diálogos bem construídos, é possível que nos deixemos caminhar pelo ápice do início, a cumplicidade do meio e o distanciamento do fim. O amor, em contínua transição, torna-se parte de quem somos.