Perdas e danos, de Josephine Hart, prende o leitor em sua teia de traição, erotismo e catástrofe
Josephine Hart escreveu os primeiros capítulos de Perdas e Danos em um único dia. O processo seguiu em frenesi, e a autora já tinha até o desfecho da trama. E, então, sem motivo aparente, ela abandonou o projeto. Anos depois, quando o título já constava em listas de best-sellers em todo o mundo, Hart revelou a razão de sua relutância inicial: ela temia a reação do público diante de uma história tão repelente sobre a obsessão erótica.
A escritora terminou a obra por insistência do agente literário Ed Victor, e, em 1991, ia às prensas a primeira edição de uma história que venderia mais de um milhão de exemplares. No livro, acompanhamos a trajetória de um homem de meia-idade, querido pela família e reverenciado na alta sociedade. A narrativa é um relato em flashback sobre a paixão doentia que ele passa a sentir pela noiva do filho, e, desde a segunda página, o leitor já é preparado para um final catastrófico:
“Se eu tivesse morrido aos 50 anos, teria sido um médico e um político bem-sucedido, embora não uma personalidade de renome. Alguém que dera sua contribuição e era muito amado pela esposa, Ingrid, e por seus filhos, Martyn e Sally. […] Mas eu não morri aos 50 anos. Há pouquíssimas pessoas que me conhecem agora que não consideram esse fato uma tragédia.”
De fato, a conduta do protagonista – cujo nome não é revelado em nenhum momento – acarreta em uma desgraça que afeta todos à sua volta. Tudo tem início quando ele conhece Anna Barton, nova paixão de seu filho, e é arrebatado pela misteriosa e sedutora jovem. Logo, os dois começam um tórrido romance. Vale dizer que, apesar do forte conteúdo sexual do livro, a obra está bem distante da literatura soft-porn tão em voga atualmente. Não há longas cenas de sedução, nem descrições cheias de luxúria sobre o prazer ou o corpo do outro. O protagonista é um homem amargurado e sucinto, e coloca na mesa os fatos que ele considera importantes, sem perder tempo com detalhes. As relações sexuais com Anna são quase animalescas, e o que eles passam a sentir um pelo outro claramente não é amor, mas uma necessidade de se entregarem a algo intenso e perigoso, quase como se tivessem sido condenados a esse destino.
Perto do final da obra, descobrimos segredos obscuros do passado de Anna, e fica evidente para o leitor a razão pela qual a personagem é dependente de seu próprio poder de sedução, e por que ela decide utilizá-lo a fim de machucar a si mesma. A história é perturbadora, mas o motivo convence. Já o que leva nosso protagonista a colocar sua vida pessoal e reputação em risco não é tão claro: quando conhece Anna, ele simplesmente deixa de avaliar suas ações, bem como as ações daqueles à sua volta. Nas poucas passagens em que comenta sobre a esposa, Ingrid, ou o filho, Martyn, há sempre um traço de desdém, pois ele tem certeza de que ambos são enganados por seu comportamento dissimulado.
A autora faz uma construção interessante dos personagens secundários. Como eles são apresentados segundo o ponto de vista do protagonista, não temos acesso ao que eles pensam, porém, através das atitudes deles, conseguimos montar um retrato de suas personalidades. Uma das passagens mais gratificantes para o leitor é a que traz revelações sobre o filho e noivo traído. A mãe o enxerga como um Don Juan que finalmente se apaixona, enquanto o pai o encara como um garoto bonito, mas um pouco sonso. No entanto, a narrativa guarda boas surpresas sobre o comportamento do jovem. Mais uma vez, a autora consegue construir um argumento convincente – desta vez, para explicar o porquê de Anna e Martyn estarem juntos.
Outro ponto bem estruturado é a grande tragédia que marca o final do livro – aquela aguardada pelo leitor desde o primeiro capítulo. Apesar de sabermos que algo muito ruim vá acontecer, há um grande suspense sobre como, exatamente, se dará o desastre. E, embora a autora crie uma realidade em que tal tragédia seja, de fato, possível, ela não dá nenhuma pista sobre o evento, e o leitor termina o livro pasmo com suas cenas finais lamentáveis e grotescas, porém perfeitamente adequadas à trama.
Em 2008, Josephine Hart escreveu um prefácio inédito para Perdas e Danos, no qual comenta o sucesso da obra (traduzida para 26 idiomas e transformada em filme e ópera) e discorre sobre o processo criativo por trás de sua concepção. No texto, ela pede para que seu livro não seja tratado como um título sobre a luxúria, mas como um retrato da obsessão e de como ela pode destruir uma pessoa. Hart morreu no ano seguinte, vítima de um câncer.