Mulheres comediantes fazem sucesso com livros que misturam memórias com ensaios cômicos
As mulheres estão mais fortes no mundo da comédia. Sozinha, a americana Tina Fey já foi indicada a mais de cinquenta prêmios por escrever, produzir e encenar textos hilários. Amy Poehler, que além de atriz e roteirista, ainda dirige conteúdo para a TV e o cinema, já participou de mais de 70 produções cômicas. E no Brasil, Kéfera Buchmann ganhou status de celebridade com seu engraçado canal de Youtube e tem até uma linha de roupas com seu nome.
Essas artistas fazem sucesso porque não têm medo de abordar o universo feminino de uma forma nova, com personagens que fogem dos clichês normalmente escritos para mulheres, como a sogra amargurada ou a beldade pouco inteligente. O apelo de suas criações está em um bom timing para as piadas e no texto bem escrito – tão bem escrito, que uma imersão no mundo da literatura aparece como um natural próximo passo.
Em geral, as mulheres da comédia mesclam suas memórias com algumas cenas hipotéticas, com jeito de roteiro para a televisão – uma fórmula certeira para bestsellers. Estrela do Comedy Central, Amy Schumer fechou um contrato milionário para escrever seu primeiro livro. Os direitos de publicação foram a leilão em setembro deste ano (sem que Amy tivesse escrito uma única linha), e a futura autora arrebatou 9 milhões de dólares.
O livro de Amy deve chegar às lojas americanas em setembro de 2016, mas os leitores brasileiros já contam com diversos títulos do gênero traduzidos para o português. Em Você está aí, vodca? Sou eu, Chelsea, a apresentadora Chelsea Handler traz uma coletânea de textos sobre relacionamentos e trabalho, construindo sempre situações em que ela é “salva” pelo seu fiel escudeiro, o álcool. Já em É sério… Estou brincando, o leitor encontra um texto bem mais leve. Escrito pela premiada apresentadora Ellen Degeneres, É sério… conta a trajetória da famosa, do stand-up comedy ao estrelato na TV, e faz graça com momentos marcantes de sua vida, como a vez em que apresentou a cerimônia do Oscar. Ellen tem uma escrita fácil e fluida que não surpreende muito, mas a obra agrada com piadas criativas.
Quem procura uma comédia com intenção literária tem em Vamos fazer de conta que isso nunca aconteceu, de Jenny Lawson, a sua melhor escolha. Jenny é jornalista e blogueira no renomado The Bloggess, eleito pela revista Forbes um dos 100 melhores sites para mulheres. A autora fez uma obra bastante pessoal e abordou temas complicados, como um aborto natural e a luta para lidar com a ansiedade patológica. Ainda assim, o livro faz rir com uma sucessão de cenas improváveis, muitas delas decorrentes do fato de Jenny ter crescido com um pai taxidermista. Lawson deixa claro que tomou algumas liberdades criativas para tornar a obra mais divertida, mas isso não desmerece uma boa coletânea de memórias. Aliás, ela já escreveu um segundo volume sobre sua vida, desta vez focando exclusivamente na ansiedade e na depressão. Lançada em setembro nos Estados Unidos, a obra tem um título apropriado: em tradução livre, Furiosamente feliz – um livro divertido sobre coisas horrorosas.
Também no mercado brasileiro, encontramos A poderosa chefona, de Tina Fey. Tina tem uma abordagem interessante: ela traz, sim, fatos curiosos de sua infância e trapalhadas vividas no showbiz. No entanto, o mais interessante na narrativa é o retrato de sua posição de chefia em Hollywood. Atualmente, Tina escreve, produz, dirige e atua em filmes, projetos para a televisão e conteúdo para a Netflix, mas a chegada ao topo foi permeada por preconceito e grosseria, e a autora conta que, por anos, foi chamada de “vadia mandona” dentro dos estúdios em que trabalhava. Em A poderosa chefona, ela trabalha forte para quebrar um pouco do machismo na comédia, usando seu sucesso particular como prova de que mulheres são, sim, engraçadas e muito profissionais.
Entre outras comediantes estrangeiras que também escreveram livros, encontramos Jen Kirkman (cujo stand-up está no Netflix), Kathy Griffin (nomeada ao Grammy por seu CD de comédia), Mindy Kaling (roteirista e protagonista da própria série de TV, e autora de não apenas um, mas dois livros de memórias), Rachel Dratch (famosa pela atuação no famoso programa Saturday Night Live) e Amy Poehler. Com Yes, Please, Amy aproveita para refletir sobre sua personalidade e seu comportamento. A obra traz ensaios engraçados – como um sobre o mundo dominado por robôs – mas também tem momentos de autocrítica e surpreende pelo tom sério que assume. Em um capítulo em especial, a artista divide conosco uma dor pessoal: ela revela que “foi longe demais” no passado, quando, sem dar muita atenção ao texto, acabou fazendo graça na televisão sobre uma menina com deficiência física. A narração do episódio – e de sua retratação – chega honesta e emociona.
O lançamento em português de Yes, please é aguardado para o ano que vem. E, para que não reste dúvida sobre quanto o gênero agrada o público brasileiro, basta conferir o ranking de vendas da última Bienal do Livro carioca. Lançada pela editora Paralela, Muito mais que 5inco minutos, de Kéfera Buchmann, foi a obra mais vendida da feira. O livro de Kéfera segue o caminho trilhado pelas autoras americanas e mescla momentos difíceis, como o bullying sofrido na infância, com situações cheias de humor. A tiragem inicial de 125 mil exemplares logo se mostrou insuficiente, e a Paralela já mandou mais 80 mil unidades para impressão. Com tanta procura, é de se esperar que mais títulos divertidos e redigidos por mulheres cheguem ao país. E, claro, que outras comediantes brasileiras passem a colocar suas histórias no papel.