Uma ponte para Istambul (2020), de Maria Filomena Bouissou Lepecki, é uma viagem para o Império Otomano no século XIX.
A autora
Maria Filomena Bouissou Lepecki é médica e escritora, mas também se considera historiadora por amor. Uma verdadeira colecionadora de aventuras, com quem tive o prazer de bater um papo e ouvir um pouco suas histórias pessoais. Já morou na Malásia e na África do Sul, cruzou oceanos e visitou países para conhecer seus mistérios, como o Egito, a Turquia e a Tailândia. Marchou com o exército brasileiro em uma expedição para o Paraguai com o objetivo de reencenar a Retirada da Laguna, um episódio da Guerra do Paraguai imortalizado na literatura pelo autor Alfredo d’Escragnolle Taunay. Terminou essa odisseia com os pés engessados após caminhar aproximadamente 150 km e uma ideia para seu primeiro livro, Cunhatai: um Romance da Guerra do Paraguai (2003), que ganhou o Prêmio Conrado Wessel de Literatura 2002, Prêmio Orígenes Lessa (jovem) da FNLIJ e o Prêmio de escritora Revelação de 2003 – FNLIJ.
Seu segundo romance, Uma ponte para Istambul (2020), começou a ser gestado quando ela fez uma viagem de quatro dias às terras do antigo Império Otomano. O interesse pelas lendas otomanas e pela cultura do antigo Império subitamente deu espaço a uma história fascinante sobre viagem no tempo e mistérios nunca esclarecidos do mundo antigo.
Uma ponte para o século XIX
A personagem Catarina Arzu é uma jovem carioca e professora de História, filha de mãe brasileira e pai turco, que decide ir em viagem a Istambul para conhecer suas raízes e a cultura de sua família. Ao visitar o Museu Dolmabahçe, ela se perde entre os corredores e escadas do local e acaba se envolvendo em uma escuridão que a leva para uma outra viagem, ainda mais extraordinária e até sobrenatural. Transporta-se para o ano de 1869, quando a Turquia ainda era um Império e sua capital era conhecida como Constantinopla.
Arzu se desespera ao perceber que ninguém a entende falando em inglês ou francês, muito menos em seu péssimo turco. Os homens à sua volta usam roupas estranhas e carregam um olhar de quem julga seus trajes inapropriados. Não demora muito para que ela seja capturada, açoitada pelo escândalo e colocada numa posição de köle – termo turco para se referir à escrava.
Uma estrangeira em outra época
Aos poucos, Arzu se acostuma com a rotina do harém muçulmano, faz amizade com Ali, o menino da cozinha, para quem ela ensina receitas brasileiras como o manjar de coco. Ganha certa afeição do Aga, chefe dos eunucos e figura de poder dentro do palácio, o único que percebe que ela não pertence àquele tempo. Mas também faz uma grande inimiga, Suna, a concubina favorita do sultão, uma pessoa perigosa e instável emocionalmente.
Conforme Arzu trama maneiras de sair daquela realidade, também procura se apegar às lembranças de sua vida no Rio de Janeiro, numa tentativa de manter a sanidade e as memórias de quem realmente é. Nesse momento, a autora nos transporta para o carnaval carioca, com o samba e a energia brasileira correndo soltas. O contraste das duas realidades nos faz sentir o peso da falta de liberdade da personagem, como mulher e estrangeira em uma terra fora de seu tempo.
Surge, então, o plano de tentar contactar Dom Pedro II no Brasil. Como historiadora, Arzu é uma grande admiradora do imperador brasileiro e pensa que Dom Pedro, sendo um homem interessado na ciência e no oculto, talvez acredite na sua trajetória e, quem sabe, providencie um resgate.
Mistérios do Mundo Antigo
Paralelamente a toda essa apreensão sobre a situação de Arzu, mistérios do Mundo Antigo começam a ser envolvidos na história. A professora brasileira passa a se lembrar de famosos objetos misteriosos de civilizações antigas assíncronos, ou seja, que não deveriam pertencer àquelas épocas nas quais eles estão inseridos. Ela conta ao Aga suas suspeitas de que um viajante do tempo talvez tenha estado no Egito Antigo, pois o friso de um templo em Abydos contempla figuras futurísticas, como um helicóptero, submarino, avião, entre outros. A personagem cita outros artefatos curiosos e “fora de seus tempos”, como as baterias de Bagdá e o mapa de Piri Reis, que possivelmente servem de rastros deixados pelos viajantes do futuro.
A autora nos insere em lendas turcas, enquanto instiga o leitor com os mistérios reais que existem entre as ruínas de civilizações antigas. A narrativa leve e fluida nos atrai ao retratar o momento histórico. Uma ponte para Istambul consegue envolver o leitor ao abordar a fantástica diferença cultural entre Ocidente e Oriente, passado e futuro.
Mistura de realidade e ficção
Lepecki borra a realidade, a história, na intenção de dissolver a tênue linha que divide o que é verdade e o que é ficção. É uma característica de todo bom ficcionista que escreve romances históricos. Os leitores passam a não separar a criatividade do escritor do que realmente aconteceu, pois a cena mescla as duas coisas perfeitamente.
Uma ponte para Istambul é um prato cheio para quem ama romances históricos e aventuras que sobrevoam o Oriente e os mistérios do mundo antigo.
O livro está disponível em formato e-book em português. Pré-lançado em inglês no Festival Internacional de Literatura de Dhaka Bangladesh, em novembro de 2019, também deve ser lançado em francês até o final de 2021.
Referências:
LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Uma ponta para Istambul. São Paulo: Maria Filomena Bouissou Lepecki, 2021.
Créditos HL
O texto acima é de autoria de Gabriela Guratti. A revisão é de Raphael Alves. A edição é de Nicole Ayres, Editora Assistente do Homo Literatus.