Roberto Piva: desvirginando os olhos castos

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[Imagem de capa: Ensaio fotográfico com Roberto Piva, feito por Juvenal Pereira, em 2004, no Parque Villa-Lobos, São Paulo, para a revista Coyote]

Piva é o abismo que nos olha quando olhamos pra ele. E quem nunca fitou, mesmo que de leve, a amplidão do Abismo. Mas Piva nos encara nos olhos, para ver se ainda há sangue o bastante para atravessar este Tempo com a longa lança sanguinária da Poesia desmedida. E fincá-la no coração dos instantes. Cada verso seu é uma alucinada granada em nosso cômodo estado de letargia. E saímos estraçalhados desta explosão, mas ainda com partes vivas para perceber que o mundo não é mesmo tão pequeno e limitado quanto a poesia oficial nos faria crer. Eu poderia dizer aqui que ele é um dos grandes poetas surrealistas, mas não sou muito simpatizante das palavras gordas conceitualmente. Elas parecem arrebentar com o essencial de alguém que escreveu sem medir muito os limites de suas poesias. Isso não quer dizer que Piva não sabia onde estava pisando. Ele sabia sim, mas com coragem ele escolheu o mais instável dos solos literários.

Imagem do livro “Os Dentes da Memória” (Azougue Editorial), das jornalistas Camila Hungria e Renata D´Elia, com base em 40 entrevistas realizadas diretamente com Piva.
Imagem do livro “Os Dentes da Memória” (Azougue Editorial), das jornalistas Camila Hungria e Renata D´Elia, com base em 40 entrevistas realizadas diretamente com Piva.

Porque escolher ser poeta em nosso país já é por demais uma atitude de bravura. Mas Roberto Piva foi além, escolheu ser poeta, e um poeta que esticou os sentidos de sua mensagem ao máximo. “Esticou” no sentido de ter escrito belos versos quase indecifráveis, mas sua magia é justamente esta. Quem se mete com Piva tem que ter todos os sentidos atuando no último nível, porque o mergulho Cognitivo e Sensitivo é profundo. Assim como é profundo o mar de Rimbaud. E assim como Rimbaud, Piva devora nossos olhos na medida em que lemos seus livros. Mas não se trata de uma destruição absoluta, os olhos devorados estão sendo mastigados para se transformarem em algo mais amplo. Digamos, surrealmente, que Piva engole os dois olhos que possuímos, mastiga-os prazerosamente e vomita um terceiro olho cheio de tesão por enxergar o mesmo mundo com um deleite que jamais havíamos imaginado. Mas sem ingenuidades, este terceiro olho contêm tanto a visão da Dor quanto a do Prazer. E algo que sempre habitou meus pensamentos sobre Piva foi o seguinte verso do poema ‘Meteoro’:

“eu sou uma alucinação na ponta de teus olhos”.

E se estiver disposto, deixe os dentes eretos de Piva desvirginar os teus olhos.

 

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Poetaescritorcineasta, tudo junto mesmo. Morando em Fortaleza- CE. Formado no Curso de Realização em audiovisual da Vila das Artes; cursando Filosofia(Bacharelado) na Universidade Estadual do Ceará. Teve o poema “O Real-Fantástico” premiado no I Concurso Cultural PRAE/UECE. Diretor do curta-metragem “Breviário da Decomposição”, premiado como Melhor Filme (curta) e Melhor Fotografia no CINEMAMUNDO – V Festival Internacional de Cinema de Itu, Mostra Competitiva Iberoamericana de Curtas-metragens. Diretor do filme em curta-metragem “Forças Terríveis” (ainda em processo de montagem). Participou de várias produções audiovisuais. Atualmente colaborando com a revista eletrônica ‘obvious’, principalmente com artigos sobre cinema. No entanto (havendo ‘destino’ ou não) nasceu para escrever.

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