Sade e Nelson Rodrigues: imorais ou moralistas?

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Marquês de Sade e Nelson Rodrigues

Pense rápido: o que os escritores Nelson Rodrigues e Marquês de Sade têm em comum? Apesar da distância geográfica e temporal, as obras do brasileiro e do francês se assemelham pela polêmica que provocaram e por seu caráter moralizante. Engana-se quem acredita, numa visão superficial e preconceituosa, que seus livros são uma simples exaltação da promiscuidade. Muito pelo contrário: a intenção de expor o “pecado” se faz como denúncia, e não como defesa.

Nelson Rodrigues, que apresenta em sua produção literária um panorama de personagens loucos, adúlteros, incestuosos, dramáticos e criminosos, foi, além de tudo, uma figura polêmica por si só, tendo construído um personagem de si mesmo para a mídia. No entanto, em sua vida pessoal, é sabido que Nelson era um homem certinho, caxias, uma espécie de Lineu Silva de A Grande Família. Sim, muito provavelmente ele acreditava nos valores morais da sociedade, tanto que os adotava em seu cotidiano. Só que não era isso o que ele via na mesma sociedade que impunha esses valores. Então, em sua arte, ele podia mostrar a hipocrisia humana, a decadência moral, da maneira mais caricatural, patética e grotesca. E isso incomoda, até hoje, porque é duro admitir o nosso lado negro, que nos esforçamos para esconder em nome da boa convivência.

Mestre em desvendar o lado perverso do ser humano era o Marquês de Sade, escritor que originou o termo “sadismo” (para você ver como seus personagens eram bonzinhos…). Sade abordava em sua obra temas pesados, como incesto, torturas psicológicas e físicas, crimes de todas as espécies, etc. Mas, em muitos de seus contos, o narrador deixa claro a exaltação da virtude e a condenação do vício, defendendo a postura dos personagens virtuosos. Em seus textos críticos, ele explica que fazer triunfar o vício é uma maneira de atingir a catarse por efeito oposto: isto é, em vez de se emocionar com a felicidade final das personagens, o leitor se apieda com seu sofrimento. Na verdade, Sade é ainda mais pessimista: se os personagens criminosos não podem ser felizes por causa da culpa por seus erros, os virtuosos também não podem ser felizes, pois são vítimas dos crimes dos enganadores ou da fatalidade do destino. Só na morte o homem se liberta de todas as obrigações e desilusões e é capaz de encontrar a paz.

Além disso, a literatura possibilita a expurgação dos demônios pessoais, o que não deixa de ser uma maneira de redenção; a imaginação nos salva. Portanto, as obras do anjo pornográfico e do sádico geram uma reflexão interessante sobre a moral, o caráter e as relações interpessoais, ajudando a revelar o íntimo da complexa natureza humana. Se, para isso, é preciso tocar na ferida da sociedade e ser classificado como imoral, então vale a pena sê-lo, ao menos no plano da arte. Concluo com uma frase de Oscar Wilde sobre essa questão:

“Não existe isto de livros morais ou imorais. Livros são coisas bem escritas ou mal escritas. E só.”

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