O que chama a atenção no livro A Cabeça do Santo, de Socorro Acioli, em que o “realismo fantástico, embora entrelaçado com a fábula infantil, é bem explorado”.
Volto a revelar meu incomodo com as raízes do autor se mostrando na prosa de ficção. Na poesia, identificar sua região é legítimo. Vigora. É necessidade intrínseca da poesia. Vale lembrar Patativa do Assaré que pelo seu regional alcançou o universal – por batida que esteja a sentença.
Na prosa de ficção, apesar de eu também incorrer nos “deslizes”, a questão de identificar seu lugar (e, pior ainda quando também se identifica) é algo que me preocupa.
Esse é o terceiro livro de ficção de escritora cearense que resenho e em que percebo a questão. O primeiro foi O tempo em estado sólido, de Tércia Montenegro (Tércia se mostrou no livro) e o outro O peso da luz – Einstein no Ceará, de Ana Miranda.
Das três, Socorro Acioli, é a que menos “peca” na questão. Está lá o interior, as crendices e os ritos religiosos de seu estado natal. Mas ela contorna bem a situação.
O problema, se é que há, da obra é a transição da autora de escrever para crianças para escrever para adultos; mesmo sabendo que Socorro Acioli firmou carreira com livros infantis e esse é seu primeiro título para o público adulto.
A poética não é bem sucedida. É lugar comum. Infantil para um livro para adulto. Isso vale para o humor.
Há varias passagens que lembram construções narrativas para crianças. Talvez advenham daí o que falei sobre a poética e o humor.
A autora tem dificuldade de largar o mote das histórias infantis. Até o melhor amigo de Samuel, personagem principal, é um adolescente de 13 anos.
Entre as passagens que lembram narrações para crianças está a conversa de Samuel com o radialista Aécio sobre a canção Força estranha de Caetano Veloso cantada por Roberto Carlos. A autora parece querer transmitir a mensagem de que há uma força estranha que move todos nós a tomarmos atitudes.
Em dado momento entra na história um jornalista de Fortaleza com faro investigativo chamado Túlio. A impressão é que ele vai entrar como figura importante do enredo, mas some rapidamente sem deixar vestígios no correr da história.
Uma dica para produção de ficção é: se o quadro não entra na história, não o pendure na parede.
Talvez Túlio seja uma homenagem ao jornalista Demitri Túlio, de Fortaleza, que além de faro investigativo também escreve livros infantis. Se for, voltamos à questão da autoficção abordada no começo.
O estilo de narração de Acioli é primoroso. Com capítulos, de denominações simples, curtos, ágeis para a leitura, ela constrói um enredo criativo. Sobretudo na terceira parte.
Mas há uma fragilidade na amarração do enredo, mais visível no desfecho. No final as coisas se resolvem facilmente, como num último capítulo de novela da Globo ou de um livro infantil.
O realismo fantástico, embora entrelaçado com a fábula infantil, é bem explorado.
Para escritora consagrada em escrever para crianças, ela chegou forte em sua estréia para o público adulto. É esse o caminho do milagre.
A CABEÇA DO SANTO
AUTORA Socorro Acioli
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 37 (176 págs.)
AVALIAÇÃO Bom