O meu amigo é um conto curto, publicado na primeira obra de João Gilberto Noll, a excelente coletânea de contos O cego e a dançarina, de 1980. Já traz muito das sensações herméticas que definiriam a obra dele, misturando melancolia e ambiguidade sexual.
No conto, o narrador descreve seu “amigo” com um ódio que esconde um fascínio velado (ou paixão). Há um tom de fábula – dois amigos adolescentes que nadam num lago – e a descrição é feita de forma delirante, trazendo incontáveis dúvidas em apenas três páginas, e terminando bruscamente.
Quando encontrei o Noll pessoalmente pela primeira vez, há quase dez anos, me declarei como fã e disse que esse provavelmente era meu conto favorito de todos os tempos. Ele me olhou atento em silêncio, ponderou e respondeu: “Hum… você falando agora… sabe que meu também?
Trecho do conto ‘O meu amigo’, de João Gilberto Noll
O meu amigo tinha os olhos omissos, olhava tudo mas não via nada. Eu lhe perguntei: você conhece a piada do Adamastor? Ele respondeu que não, que não queria saber de piada nenhuma, muito menos a do Adamastor. Ele me irritava. Eu faria onze anos no dia seguinte e não quis convidá-lo. Você é mau, eu disse. Ele não se inquietou com essa afirmação, continuou como sempre tinha sido, mau. Até que eu gritei reage, diz alguma coisa, faz alguma coisa, não fica aí plantado feito uma coisa sem sangue. Eu não gostava dele, eu odiava ele. No entanto não ficava um dia sem vê-lo, ia para a beira do lago onde ele costumava ficar as tardes inteiras ruminando um silêncio nojento.
Trecho do conto ‘Pornô Fantasma’, de Santiago Nazarian
O quarto tem um cheiro oleoso que persiste na boca de Jefferson. Cordeiro. Os ossos persistem no chão do quarto, num prato. O menino lhe trouxe quando disse que precisava comer. ‘Estou com fome. Sabe onde tem algum restaurante por aqui?’. O menino disse que, naquela hora, naquele dia, naquela época do ano, os restaurantes estavam fechados, mas poderia pedir algo lá no hotel, nas putas. ‘Um belo prato de feijão’, pensou Jefferson.
‘Então, o que vai ser?’, perguntou o menino tirando o avental e se dirigindo à porta.
Jefferson franziu a porta e ponderou o que queria dizer, mas percebeu que já estava cansado de questionar qualquer subtom ou intertexto daquela cidade e daquele menino, e respondeu ao que havia entendido.
Santiago Nazarian (São Paulo, 1977) é escritor, tradutor e roteirista. Autor de sete romances, entre eles Mastigando humanos e o recém-lançado Biofobia. O conto Pornô Fantasma integra a antologia Pornofantasma. Blog: santiagonazarian.blogspot.com.br