Saramago diz: No dia seguinte ninguém morreu…

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Dois de novembro. Dia de Finados. Dia de lembrarmos as pessoas queridas que partiram “desta para melhor”, como diz o clichê – com uma pontinha de dor. Da morte, temos a certeza que é irremediável e de que nos priva de quem amamos. Mas se de uma hora pra outra ninguém mais morresse? Esse é o mote para Saramago refletir sobre a condição humana, em As Intermitências da Morte. Num certo país, as pessoas simplesmente pararam de morrer. Isso mesmo. A ossuda entra em greve e todos ganham o direito de ficar para semente ad infinitum.

Depois da euforia advinda da imortalidade geral da nação, o que talvez seja um dos grandes anseios da humanidade, viver até mesmo depois da parte inferior do tubo digestivo fazer bico, o caos se instaura. Não há matéria-prima para o serviço funerário; as companhias de seguros entram em crise; moribundos lotam os leitos dos hospitais; idosos não param de chegar aos asilos (se fosse no Brasil a Previdência Social iria à bancarrota); a religião entra em crise, pois “sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja…

O livro não termina aqui, mas lá pelas tantas, a Morte encaminha uma carta a uma emissora de televisão, para que todos saibam do retorno de suas atividades e das novas regras que passarão a vigorar:

A partir da meia-noite de hoje se voltará a morrer tal como sucedia, sem protestos notórios (…) ofereci uma pequena amostra do que para eles seria viver para sempre (…) a partir de agora toda a gente passará a ser prevenida por igual e terá um prazo de uma semana para pôr em dia o que ainda lhe resta na vida.

Todos nós ganhamos, igualmente, uma vida e uma morte (Quincas Berro D’Água é exceção). O hiato entre um e outro depende dos homens e das circunstâncias.

Penso que é justamente a certeza da finitude da vida que deve nortear os nossos passos. Não sabemos quanto tempo irá durar esse “prazo de uma semana para pôr em dia o que ainda lhe resta na vida”. Será que um técnico de futebol lançaria todo o escrete ao ataque se soubesse que teria todo tempo do mundo para vencer a partida? Não é autoajuda (e se for também…), mas viver é urgente, não pode ficar para amanhã. Então, vamos lá, vamos lá, viver a vida. Viva à vida, à vida, à vida.

Post-scriptum – A exemplo do Antoine Doinel, personagem do Jean-Pierre Léaud no “Os Incompreendidos”, do Truffaut, que acendia vela para o Balzac antes de fazer prova de redação, exorto a todos os amantes dos livros, cada um ao seu modo, a homenagearem os grandes mestres da literatura, que já partiram desta para melhor. Eu tomarei uns pileques pelo Leminski, Carver, Joyce e Bukowski.

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