Claro que ficções científicas já estão definidas no inconsciente ou consciente coletivo como histórias com intricadas passagens descritivas de tecnologias super-avançadas, geralmente com alienígenas em invasões, ou mutações genéticas, ou experiências ainda não compreendidas, ou espionagem com novas armas de destruição em massa, ou viagens interplanetárias, intergalácticas, etc. etc. etc… Mas, de repente, você se depara com um escritor “aparentemente” clássico e vê, ou melhor, lê que ele escreveu uma magnífica história de ficção científica como nenhuma outra. Até agora me parece assim, já que não terminei. No entanto, a vontade de falar dele é urgente. Porque antes mesmo de termina-lo, de certa forma já sei que é uma das melhores ficções científicas que já li em minha vida. A história trata do desprendimento da Península Ibérica do continente europeu. Idéia muito, mas muito delirante. Por causa deste detalhe absurdo me interessei em ler. Mas o mais absurdo nesta história é como Saramago nos conta com inigualável naturalidade todo o absurdo que deveríamos levar em conta. Resumindo, é aquele tipo de absurdo que pode acontecer mesmo. Porque se formos pensar nas possibilidades e probabilidades, os continentes podem se separar, pois há teorias que fundamentam tal fenômeno. E esse deslocamento de uma massa continental passa a assombrar ainda mais por ser possível. Se Saramago nos faz lembrar disso; e dessa forma nos deixa assim de queixo caído, é porque ele “faz acontecer” diante de nossos olhos o extraordinário, mesmo sendo algo que sabemos possível em nosso mundo. Mas é aquela história, teorias são menos assustadoras quando estão nos debates, nas discussões filosóficas e científicas, mas quando saltam pra realidade vem aquela sensação: acontece mesmo!
(O livro tem grandes questões além do científico ficcional, vê-se a parte crítica sarcástica sobre a noção de Nacionalidade, e os demais países poderosos tendo que lidar com a pavor diante de forças maiores do que suas compreensões e recursos; mas este texto se concentra mais no impacto e força deste Absurdo descolamento de uma península de um continente e suas causas particularmente bizarras).
Por isso, este livro, na minha visão e experiência de leitura, é uma das grandes ficções científicas da literatura mundial. Mas claro que não vemos carros voadores, alienígenas hostis, viagens interplanetárias, etc. etc. etc. O que vemos são personagens aparentemente banais, com suas vidas banais, sendo descritos como agentes absurdos de absurdos ainda maiores, como o de separar toda uma península de um continente no qual estava acoplado. Paro o texto por aqui, primeiro por não ter lido o livro até o fim; e segundo por estar adorando navegar nessa absurda Jangada de Pedra. Quem estiver curioso, que suba a bordo. Boa leitura!