Se eu fechar os olhos agora: o corpo do Brasil

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O escritor e jornalista Edney Silvestre mistura suspense e forte crítica social em seu romance Se eu fechar os olhos agora

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Um assassinato, dois garotos curiosos e um velho amargurado, são esses os elementos que dão vida ao romance Se eu fechar os olhos agora, do jornalista e escritor Edney Silvestre. A história se passa no Rio de Janeiro de 1961, uma mistura de suspense e realismo que rendeu ao autor o Prêmio Jabuti 2010, na categoria Melhor Romance, e o Prêmio São Paulo de Literatura 2010, na categoria Melhor Livro de Autor Estreante.

Logo no começo do livro os personagens Paulo e Eduardo, dois estudantes de 12 anos, encontram o corpo de uma mulher perto de um lago onde costumavam nadar depois de sair da escola. Eles avisam a polícia e o crime logo é dado como resolvido, com a confissão do marido, um velho dentista. Em razão da violência do crime e da forma como encontraram o corpo da jovem mulher, brutalmente esfaqueada, os garotos não acreditam na capacidade do confessor tê-la matado e passam a investigar, em busca do verdadeiro assassino.

Desse momento em diante, cada passo dos garotos revela um fato sórdido que os aproxima da resolução do crime. Com a ajuda de Ubiratan, um senhor que conhecem por acaso durante uma de suas aventuras investigativas pela cidade, eles descobrem muito mais do que esperavam e começam a conhecer um pouco melhor o mundo dos adultos e seus jogos sujos, deixando aos poucos o mundo de inocência das crianças.

Se eu fechar os olhos agora é um livro de muitas faces, oferecendo, simultaneamente, entretenimento e uma contundente fonte de crítica social. O autor aborda diversos dos problemas que existiam no Brasil da década de 60 e que se perpetuam até os dias de hoje, entre eles, o racismo, a corrupção generalizada, a prostituição e o descaso com os vulneráveis e desfavorecidos. Um bom exemplo pode ser lido no seguinte trecho:

Aqueles no pátio eram o refugo que não conheciam. Os enjeitados, os malucos, os enfermos, os caducos, os chaguentos, os mutilados, os senis, os alcoólatras, os débeis, os pobres, os analfabetos, os mendigos, os aleijados largados à própria sorte. Os sobrinhos, avós, pais, tios esquecidos em sanatórios e hospitais, enxotados de casa ou recolhidos sob marquises, sob pontes, em becos, lixeiras, praças, em jardins e calçadas, em beiras de estradas do país que se industrializava, se agigantava, se modernizava. A nação da América do Sul das repúblicas de bananas que navegava para fora do Terceiro Mundo fabricando tornos e automóveis, caminhões, tratores, geladeiras, lâmpadas, liquidificadores, televisores, aparelhos de som, sapatos, refrigerantes e máquinas de lavar, o país que fora capaz de crescer cinquenta anos em apenas cinco de total democracia, e que não tinha mais lugar para aqueles homens. (p. 56)

Edney Silvestre alia tudo isso a uma narrativa ágil, clara e que valoriza a beleza da língua portuguesa. Além disso, a obra é permeada por diversas referências culturais e históricas, desde músicas, filmes, questões políticas e jornalísticas, até as relacionadas à própria literatura brasileira. Certamente, oferece uma leitura rápida e prazerosa sem deixar de lado a importância de seu conteúdo, incluindo belas passagens encontradas nas vozes dos personagens.

— Acredito que só se deve pensar no passado se isso contribuir para melhorar o presente. Caso contrário é pura nostalgia. (Irmã Maria Rosa – página 162).

— É preciso não desacreditar, jamais, que sempre se pode continuar. Sempre, Eduardo, sempre. (Ubiratan – p. 208)

Para se ter uma ideia exata do que esse trabalho representa (e também o título desta resenha), confira a opinião do escritor Luiz Ruffato, publicada na quarta capa do livro:

Numa manhã de sol de abril de 1961, dois meninos encontram, por acaso, o corpo dilacerado de uma mulher. A partir desta macabra descoberta, que mudará para sempre suas vidas, Edney Silvestre autopsia, com a fina sensibilidade de um raro prosador, a essência da nossa sociedade. O corpo de Anita, a morta, transubstanciado no corpo do Brasil.

 

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