Se nos achamos melhores que os outros por ler Shakespeare, então lemos mal os livros, o mundo e as pessoas.
O preconceito é um fenômeno social que existe desde os primórdios da humanidade, das mais distintas formas. Sempre julgamos o outro e tendemos a torcer o nariz quando ele não está de acordo com os nossos padrões. O errado é sempre o outro, porque a nossa referência são nossos próprios valores. Assim, existem os preconceitos racial, social, de gênero, linguístico e, por que não, literário.
Quando uma amiga me disse que gostava muito de ler, que “literatura era sua vida”, fiquei exultante! Porém, quando descobri que seu gênero preferido era autoajuda e seu autor de cabeceira Augusto Cury, logo desanimei. O mesmo aconteceu quando outro amigo expôs sua admiração pelo Paulo Coelho. E toda vez que escuto alguém dizer que não gosta de ler, que não tem esse hábito, além de lamentar, já começo a tecer suposições negativas sobre a pessoa. Portanto, cheguei à conclusão de que possuía preconceito literário.
Ainda que eu defenda veementemente a importância da literatura para a reflexão e o crescimento espiritual do ser humano, dentre outros motivos, não posso impor essa verdade ao mundo. Incentivar a leitura é uma iniciativa louvável. Fico contente ao saber que alguém que não gostava de ler está finalmente se descobrindo nas páginas dos livros. No entanto, impor o gosto pela leitura é cruel, contraditório e leviano. O amor pela leitura precisa surgir naturalmente, não adianta forçar. Precisamos respeitar o tempo do outro.
Além disso, devemos aceitar que nem toda sabedoria do mundo está nos livros. Sim, os livros nos ensinam muito, enriquecem nosso universo, etc., mas não são toda fonte de conhecimento possível. Aprendemos também pelas nossas vivências, pela interação com as pessoas, com o tempo. Não conhecemos a história de vida de cada um.
Ler não é garantia de cultura e maturidade. Uma pessoa humilde, com pouca leitura, pode ser mais sábia que um acadêmico pomposo. A literatura não deve nos deixar presunçosos. Pelo contrário. É uma “escola de tolerância”, conforme defende o professor e escritor Gustavo Bernardo. Abrimos os nossos horizontes, saímos do nosso conforto e nos deparamos com ideias, personagens e situações que nos desconstroem, nos provocam, nos desafiam. Se nos achamos melhores que os outros por ler Shakespeare, então lemos mal os livros, o mundo e as pessoas.
Rejeitar os não leitores ou os leitores de best-sellers é um caminho tentador aos amantes da “alta” literatura. Mas, se fazemos isso, estamos sendo tão preconceituosos e mesquinhos quanto quem considera um leitor voraz um nerd chato, pedante e sem diversão na vida. Ninguém é digno de pena, e sim de respeito e compreensão. Defendamos sim o valor da literatura, sem sobrepujar o valor humano.
E você, o que pensa sobre o assunto? Possui preconceito literário ou já sofreu esse preconceito em algum momento? Acredita que ele de fato exista? Compartilhe sua visão conosco, garantimos não julgar de maneira preconceituosa!