
Kendrick Lamar se desprende das máscaras em “Mr. Morale e The Big Steppers”, seu disco mais intimista até o momento.
A música como terapia
Música é terapia em diferentes formas, da janela do ônibus ao consultório psiquiátrico. Música também é um exercício de empatia, de descobrir o mundo com outros olhos a partir de uma visão que nunca iremos alcançar, pois cada um tem sua vivência. A arte tem essa mística que nos faz viajar com símbolos e mensagens. E hoje, Kendrick Lamar é o mensageiro.
Contextualizando
Mr. Morale & The Big Steppers é aquele tipo de álbum que cresce conforme você vai ouvindo, não é tão fácil gostar na primeira vez. Muitos discos acabam sendo assim por sua profundidade e desprendimento ao que “pega fácil”, sem o uso de técnicas para hits e afins. Lançado em maio de 2022, é o sexto disco da carreira do rapper.

O seu álbum anterior, DAMN., já era muito mais fácil de ouvir, porque praticamente todas as músicas pendiam, de certa forma, para algo mais pop. Apesar de que as letras não deixaram de ser profundas, como de costume, o fazendo até ganhar o Pulitzer em 2018 — primeira vez que um artista ganha sem ter ligação com a música clássica ou o jazz.
Já este álbum mais recente é o mais intimista do Kendrick, o que acabou não conquistando uma boa parte dos fãs que esperavam algo diferente e não tiveram muita paciência para entendê-lo. Essa debandada lhe deu um recorde não tão legal, o de maior queda da história da lista “Hot 100” da Billboard (lista das 100 músicas mais ouvidas da semana nos Estados Unidos, baseada em vendas, execuções de rádio e plays nas plataformas digitais) com a música We Cry Together, que caiu 81 posições em uma semana.
Pensei bastante em simplesmente não escrever nada sobre esse disco, apenas ouvir e curtir. Parece que, mesmo se fosse apontar algo sobre ele daqui a uns dois anos, ainda assim estaria faltando alguma coisa. A intenção não é dissecar o álbum e explicar tudo, mas refletir sobre como ele trata terapia e evolução pessoal dentro da narrativa que cria para a obra.
Kendrick Lamar Duckworth
Kendrick Lamar Duckworth é conhecido como um dos maiores escritores da música, considerado por alguns como o artista que transformou o rap em alta literatura, apesar de o gênero já ser habitado por grandes letristas antes dele. A forma brilhante como Lamar captura a vida dos negros nos Estados Unidos acabou atraindo a atenção já no início, no seu segundo álbum Good Kid, M.A.A.D City, de 2012.
Depois disso, o rapper apresentou uma consistência muito difícil de se encontrar. To Pimp A Butterfly, de 2015, é considerado por muitos como a sua maior obra. Em uma combinação de jazz, funk e rap, Kendrick conseguiu juntar o experimental e o pop, com narrativas honestas, fortes e criativas.
Com DAMN., em 2017, foi quando mais ouvi falar sobre ele, tanto na mídia quanto nas rodas de conversa. Apesar de um certo preconceito que há com tudo que é pop — o que vem sendo derrubado ultimamente — Kendrick não deixou de lado a caneta e o anseio em expor o que precisava dizer.
Já em 2022, com Mr. Morale & The Big Steppers, Kendrick aparenta estar menos preocupado em ser bom com os números e mais focado em ser bom como pessoa. É do seu costume relatar a sua intimidade, mas aqui ele vai além. Se desprende de conexões claras entre as músicas e questiona a sua moralidade, os seus erros e pensamentos atrasados e o coloca como o único responsável por uma possível melhora.
Mr. Morale & The Big Steppers
“I come from a generation of pain, where murder is minor”
(Venho de uma geração de dor, onde o assassinato é insignificante)
O álbum é dividido em dois discos, com nove músicas para cada. O primeiro apresenta um lado mais tóxico, como se fosse a etapa da terapia onde colocamos tudo para fora. Com foco em “We Cry Together”, o clímax dessa primeira parte. Já no segundo, ele aparenta estar mais lúcido, entendendo e ressignificando as suas fraquezas para tentar realmente chegar a um lugar melhor.
Kendrick já anunciava que uma sessão de terapia iria se iniciar quando lançou o single “Heart Part 5”, dias antes da estreia do álbum, com um clipe forte no qual ele transforma o seu rosto em outros famosos, como Will Smith, Kanye West, O. J. Simpson e Nipsey Hussle através de deepfake.
Na música, Lamar fala sobre uma cultura de gangues, resultado da crise geracional, um lugar onde pessoas machucadas machucam mais pessoas. Também reflete sobre como o propósito da vida estaria nas lições que se aprendem. Ele brinca com isso quando cita os casos famosos e complexos, enquanto no álbum se abre e larga a mão do perfeccionismo, abraçando as imperfeições humanas.
Em algum momento recente, esquecemos que todos erramos e passamos a julgar qualquer falha. Todos temos problemas, e no caso do Kendrick: dinheiro, lealdade, paternidade, gênero, trauma transgeracional, relações amorosas, responsabilidade e motivação navegam pelo álbum, que é quase um lembrete de que somos realmente falhos.
Parte 1
“I hope you find some peace of mind in this lifetime”
(Espero que você encontre alguma paz de espírito nessa vida)
O álbum começa com United in Grief, em que Kendrick reflete sobre a sua carreira, conquistas e as armadilhas do sucesso, expondo vários hábitos questionáveis. A faixa inicia com um coral cantando uma melodia de esperança, que também surge em outras partes do álbum com versos diferentes. Em certo momento, uma bateria semelhante à de bandas marciais domina a música com uma marchinha frenética, somente com as batidas da caixa. Um pouco mais tarde, entra um piano para acompanhá-lo, até que, no final, a agitação da bateria dá espaço para a melancolia do piano, dando a entender que, no final, a calmaria vence.
Em N95, Kendrick pede para tirar tudo aquilo que o protege, quase como uma primeira regra da terapia. Apesar de fazer alusão às máscaras N95 e questionar a forma como os poderes lidaram com a pandemia, a faixa representa uma das etapas para entender o problema em que vivemos. É o que trava muita gente de conseguir se desenvolver. O ego que nos mantém de pé, os traumas que doem compartilhar e o medo de se expor é perigoso e pode barrar uma pessoa de se tratar.
“Venting in the safe house”
(Afogando as mágoas num local seguro)
Dois anos sem conseguir escrever é muito para quem o faz como terapia. Worldwide Steppers é a fase na qual batemos de frente com nossos problemas e os questionamos. É um passo complicado que, por vezes, pode nos travar, mas faz parte do processo. Além de falar sobre problemas da sociedade, ele ainda joga luz para os seus, gente com quem se envolveu ou ações que fez e causaram o mal.
E, tratando-se de relacionamentos, esse acúmulo de traumas acaba o deixando inseguro, com medo de se abrir emocionalmente e não ser amado depois disso. Die Hard mostra como essas questões servem de aprendizado e experiência para perceber que o passado deve ser superado. Seu novo amor não é vazio e desleal como os outros. A vida daqui pra frente não vai ser vazia como foi, agora estamos mais preparados para lidar com isso.
“Do you love me? Do you trust me? Can I trust you? Don’t judge me”
(Você me ama? Você confia em mim? Posso confiar em você? Não me julgue)
Problemas Paternos
Father Time é a música que bateu mais forte em mim. Se ele tivesse lançado apenas essa faixa, já seria o suficiente. Ela inicia com uma conversa entre Kendrick e a sua esposa Whitney Alford, que lhe aconselha alguma terapia. Ele responde que não precisa dessas coisas.
Após um breve sapateado ao fundo, que aparecerá novamente em outra música à frente, entra um sample que remete a uma viagem no tempo pro passado. Com o uso do efeito reverse, o que podemos ouvir é um som semelhante ao de um bebê ou uma criança resmungando, como se voltasse a um passado de sofrimento. E ele canta o seguinte verso:
“I come from a generation of home invasions
And I got daddy issues, that’s on me
Everything them four walls had taught me made habits bury deep
That man knew a lot, but not enough to keep me past them streets”
(Eu venho de uma geração que as casas eram invadidas
E eu tenho problemas paternos, isso é problema meu
Tudo que aquelas quatro paredes me ensinaram criaram hábitos profundos
Aquele cara sabia demais, mas não o suficiente para me manter fora das ruas)
A criação desse tipo de narrativa forte não é uma surpresa vindo de Lamar, mas aqui ele consegue nos transportar para sua infância e trazer um sentimento pesado de uma forma tão única. Logo em seguida, um piano entra com a mesma melancolia vista antes, mas com notas que trazem esperança.
Digo que o disco inteiro poderia ser essa música, pois um dos grandes causadores dos vários problemas que ele reflete no álbum vem de questões paternas. É no mínimo intrigante todos esses valores que carregamos, como o abandono ou a falta de afeto, medo de se abrir e a não demonstração de amor entre homens, mesmo que sejam pais e filhos. Tudo isso desencadeia uma série de problemas que nem percebemos.
Há esperança quando vemos exemplos de quem decidiu não enterrar os sentimentos e conseguiu curar essa tradição suja, o transformando no bem. Essa cura pode ser de uma forma até questionável, relacionada ao sucesso pessoal, como quando ele afirma que problemas paternos o mantiveram competitivo, mas também pode ser quando simplesmente decide espalhar essa boa imagem para frente, através dos filhos.
Tem problemas que não sabemos muito bem de onde vem, outros que não sabemos como se resolveram (“When Kanye got back with Drake, I was slightly confused / Guess I’m not mature as I think, got some healin’ to do”), mas essa confusão é sinal de que ainda temos um caminho pela frente. O processo de amadurecimento é estranho como ouvir choros do passado, às vezes cansa como um sapateado frenético, mas no final a melodia otimista de um piano há de tocar.
Relacionamentos Quebrados
Sem dúvida, a faixa mais impactante do álbum, We Cry Together, é tudo aquilo que não queremos ouvir ou lembrar. É estranhamente real a discussão de casal que mostra o desequilíbrio de ambas as partes. O que Kendrick Lamar e a atriz Taylour Paige representaram é desconfortável e, por isso, é muito bom.
Essa faixa foi muito comparada com a música Estilo Vagabundo, de MV Bill e Kmilla CDD, lançada em 2006, que também apresenta uma discussão de casal. MV Bill chega até a brincar sobre uma possível inspiração quando deu uma entrevista recente: “Kendrick Lamar… Assume pra nós…”.
Tirando o fato de as duas músicas retratarem uma briga de casal e terem um estilo de resposta muito parecido, o tom é totalmente diferente. No caso da música brasileira, a discussão é abordada de uma forma até cômica, com tiradas inteligentes como uma batalha de rimas. Já We Cry Together é pesada, séria e te deixa com angústia. Não é demérito de uma ou outra, mas são propostas diferentes. Ainda assim, é interessante a ligação aparentemente inconsciente dos artistas.
“This is what the world sounds like”
(O mundo parece assim)
O que ouvimos aqui é um relacionamento tóxico baseado em xingamentos e disputa de ego. Por pressão social ou circunstâncias da vida, pessoas acabam se condicionando a aceitar relações do tipo. Com o tempo, toda a energia gasta tentando fazer algo impossível funcionar acaba gerando rancor e resultando em discussões como essa.
No final da música, aquele mesmo sapateado de Father Time entra, logo após a discussão terminar. Uma mulher fala em tom calmo para parar de sapatear ao redor da conversa. Por aparecer em duas situações específicas, o sapateado remete a uma forma de fuga do que está acontecendo. Se distraindo como se nada estivesse acontecendo. Na primeira aparição, quando fala sobre paternidade, remete a algo da infância. Ao aparecer em uma discussão com a sua parceira, na segunda, é como se ele estivesse vendo uma lembrança da infância acontecer bem na sua frente.
Ao mesmo tempo, a frase parece vir de alguém que guia uma conversa, como uma terapeuta. Como se ela pedisse para que ele pare de fugir da conversa e tê-la. É o que ele aparenta fazer em Purple Hearts, que chega com batida e melodia mais otimistas. Purple Hearts tem um significado de condecoração militar das Forças Armadas dos Estados Unidos, para alguém que se feriu ou morreu em uma guerra. Seguindo essa linha, é como se estivessem recebendo uma homenagem por sobreviver àquela luta. Além disso, simboliza uma tentativa de tratamento do casal, uma busca pela cura após a discussão tóxica de antes.
Parte 2
“We may not know which way to go
On this dark road”
(Talvez não saibamos por qual caminho seguir nessa estrada escura)
O Disco 2 inicia com a mesma melodia da primeira música do álbum, mas agora com um verso mais cauteloso, de alguém que entendeu que o caminho não vai ser tão fácil. Count Me Out é um pouco mais para cima. Mesmo com uma pegada mais pop, Kendrick ainda experimenta bastante nessa faixa com as mudanças de batida e elementos de corais no fundo. Se mostrando mais maduro do que no Disco 1, ele sente uma certa obrigação em se manter aberto em sua relação, por mais que sinta que esta não irá durar tanto.
Outra forma de mostrar a evolução é quando ele entende que não vai conseguir agradar todo mundo, em Crown, e que é melhor se afastar de pessoas que não te deixam bem, em Silent Hill. É difícil entender a situação em que está e se desfazer dela. O que nos deixa mal também nos traz conforto, pois é desagradável mexer no que está alinhado. Bagunçar algo caótico é difícil e muitas vezes estressante, mas demonstra evolução.
Quem é seu Salvador?
Savior começa com um interlúdio de um longo verso do rapper Baby Keem, primo de Kendrick. É curioso e triste que duas pessoas de idades diferentes tenham tido uma mesma infância dolorosa. Baby Keem fala sobre problemas no crescimento e com a família. Ao mesmo tempo, narra experiências recentes do sucesso que vem adquirindo. Ainda que possa ter sido favorecido pelo parentesco, ele foi o seu próprio salvador de tudo aquilo que viveu. “I only had one chance, I ain’t even waste it” (Eu só tive uma chance, e nem desperdicei).
O que Savior faz é lembrar que podemos ter inspirações, pessoas que nos ajudem e sejam, de certa forma, uma referência de onde queremos chegar, mas a única pessoa que vai te colocar lá é você mesmo. Seus ídolos podem trazer empoderamento, esperança, força e ensinamentos, mas eles não podem pegar na sua mão e te levar até o alto.
Lamar ainda questiona famosos que buscam ser os salvadores e como alguns rappers estão cada vez mais com medo dos cancelamentos, deixando de abordar assuntos sensíveis. Ao mesmo tempo, outros se sentem cada vez mais seguros para aceitar as suas ideologias questionáveis, como quando ele cita o jogador de basquete Kyrie Irving, que recusou se vacinar contra a COVID. Para Kendrick, devemos pensar por nós mesmos, já que nossos heróis estão buscando ajuda dos vilões.
“Seen a Christian say the vaccine mark of the beast
Then he caught COVID and prayed the Pfizer for relief
Then I caught COVID and started to question Kyrie
Will I stay organic or hurt in this bed for two weeks?”
(Vi um cristão dizer que a vacina era a marca da besta
Aí ele pegou COVID e rezou pra Pfizer por alívio
Aí eu peguei COVID e comecei a questionar o Kyrie
Vou ficar orgânico ou me doer nessa cama por duas semanas?)
O Que no Outro Dói em Você?
Auntie Diaries é uma música honesta e provocativa sobre as contradições que o músico carrega. Ele fala sobre uma pessoa trans em sua família e como isso o fez lidar com hipocrisias. O rap é um meio conhecido por carregar homofobia e transfobia. Não precisamos ir muito longe para ter exemplos disso, como o recente caso de DaBaby. Tendo alguém como Lamar levantando esse assunto, sendo um dos maiores rappers da atualidade, é no mínimo significativo.
Kendrick cita um caso no qual questionavam os seus parentes, como um pastor da igreja que dizia que aquilo era uma abominação. Essa relação cotidiana de julgamento sobre os outros não deveria nem existir. O quão problemática é a mente de alguém que se sente afetado por algo que não tem a ver com ela? As pessoas preferem olhar para questões do outro do que lidar com as suas.
“See, I was taught words was nothing more than a sound
If everything was pronounced without any intentions”
(Sabe, eu fui ensinado que palavras não são nada mais que um som
se tudo fosse pronunciado sem intenções)
O rapper é questionado pelo primo por algo que ele fez em um show em 2018, quando levou para o palco uma fã, branca, da plateia. Ela cantou uma música com ele, na qual continha um termo extremamente racista vindo de uma pessoa branca. Kendrick a cortou durante o show, pediu que não cantasse as palavras, e isso gerou uma série de discussões na época. O primo de Kendrick questiona sua hipocrisia, por ele usar insultos homofóbicos, sendo ele hétero.
“Kendrick, ain’t no room for contradiction
To truly understand love, switch position
F*ggot, f*ggot, f*ggot, we can say it together
But only if you let a white girl say ‘N*gga'”
(Kendrick, não há espaço pra contradição
Pra realmente compreender o amor, troque de lugar
Viado, viado, viado, podemos dizer isso juntos
Mas só se você deixa uma garota branca dizer nego)
Muitas pessoas criticaram o uso dos termos que ele mesmo questiona na música, mas acredito que façam parte da própria reflexão. Nessa música, ele desafiou os seus preconceitos e demonstrou mais ainda que esse álbum é uma sessão de terapia, com ele aberto e pronto para bater de frente com os seus pensamentos, sem medo de julgamentos.
Derrubando Traumas Transgeracionais
Mr. Morale traz uma batida pesada e um clima de tensão para mais questionamentos sobre sua vida pessoal e seus demônios. No Disco 1, em Die Hard, ele queria que não fosse tarde demais para lidar com seus demônios. Já nesta faixa, Kendrick parece ter conseguido superá-los, como quando fala que seu espírito acordou, enquanto seu cérebro dorme.
Lamar acredita que podemos quebrar os traumas herdados da família trabalhando os traumas que geralmente estão enterrados em cada um. Em Mother I Sober, Kendrick fala sobre o abuso que sua mãe sofreu na infância e como isso chegou até ele. Mesmo sem saber o que tinha acontecido, ele já sentia e recebia aquilo que ela sofreu. Ele também fala que esses abusos sofridos pelos negros na infância geraram uma cultura de problemas e reza para que seus filhos não herdem esses sentimentos.
A beleza dessa música está em Kendrick, finalmente curando um trauma transgeracional que ele apresentou durante todo o disco. No final da música, a esposa dele o parabeniza e sua filha o agradece por não ter que viver o que eles viveram. A faixa ainda termina com a mesma melodia de United In Grief e Count Me Out, intercalada por um último sapateado, mas agora como se estivesse pondo um ponto final nas fugas.
“You did it, I’m proud of you
You broke a generational curse
Say: Thank you, dad
Thank you, daddy, thank you, mommy, thank you, brother
Mr. Morale”
(Você conseguiu, estou orgulhosa de você
Você quebrou uma maldição de gerações
Diga: Obrigada, pai
Obrigada, papai, obrigada, mamãe, obrigada, irmão
Sr. Morale)
Para encerrar a sessão de terapia, Mirror já começa dizendo que ele escolheu a si mesmo. A música tem um tom de redenção. Parece que, saindo do âmbito familiar da música anterior, ele volta ao público para falar que ele escolheu viver por ele. Ao mesmo tempo, parece que ele está pedindo desculpas para si mesmo, em frente ao espelho (por conta do nome da música). É como se ele estivesse se desculpando com um Kendrick que quer lutar pelos outros de uma forma mais ampla, mas esse outro Kendrick, o de agora, escolheu lutar por ele mesmo e pelos filhos antes de tudo.
“Sorry I didn’t save the world, my friend
I was too busy buildin’ mine again”
(Me desculpe por não ter salvado o mundo, minha amiga
Eu estava muito ocupado construindo o meu novamente)
Depois dessa experiência transformadora que é ouvir o álbum inteiro, o que nos resta é refletir sobre nós mesmos. Nos abrir, confrontar os traumas, aceitar os erros e entender as circunstâncias. É terapêutico aceitar as fraquezas, deixar o medo de lado e focar em si mesmo, ou como Kendrick, em sua família. Os conflitos são incômodos, mas estão aí para melhorarmos. E a melhor forma de chegar ao espelho e dizer quem escolhemos é passando por esse processo de amadurecimento.
“Mr. Morale & The Big Steppers” não é só mais um álbum de Kendrick Lamar, é sua casa escancarada para todos olharem os cômodos, encontrarem os problemas estruturais e sair da visita com uma pergunta para se fazer: como posso melhorar minha própria casa? É melhor procurar um profissional para reformá-la.
“I bare my soul and now we’re free”
(eu mostro a minha alma e agora estamos livres)
Créditos HL
Esse texto é de Igor Furini, para nossa coluna HL Sonoro. Ele teve revisão de Raphael Alves e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.