Sobre a fazenda e os cenários luminosos de John Updike

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Quando uma fazenda vira uma arena de brigas domésticas

John Updike

John Hoyer Updike nasceu em Shilington, na Pennsylvania, estado norte-americano, no dia 18 de março de 1932. Filho de professor de matemática e neto de pastor da Igreja Presbiteriana, viria a se tornar um dos mais importantes escritores estadunidenses do século 20. Estudou em Oxford (na Inglaterra), antes de se formar em Harward em 1954. Divulgou seus primeiros textos no veículo The New Yorker, de 1954 a 1957. Contribuiu igualmente para o The New York Review of Books, com crônicas, resenhas e ensaios. Sempre muito aclamado pela crítica, veio a receber diversos prêmios, tais como: National Book Award – Ficção (1964), National Book Critics Circle Award (1981, 1983, 1990), Prêmio Pulitzer de Ficção (1982, 1991), Prêmio PEN/Malamud (1988), Medalha Nacional de Humanidades (2003) e Prêmio PEN/Faulkner de Ficção (2004).

Updike morreu em 27 de janeiro de 2009, na cidade de Beverly, (Massachusetts, Estados Unidos) aos 76 anos, vítima de um câncer pulmonar. Sua escrita, porém, mais viva do que nunca, demonstra força nos inúmeros trabalhos que legou à literatura estadunidense e mundial. Um dos destaques é o belo romance Sobre a Fazenda (Of the Farm), publicado em 1959.

O livro é narrado pelo personagem Joey Robinson, consultor publicitário de 35 anos instalado em Manhattan. É descrita a visita que ele faz à mãe viúva, residente na antiga casa da família, num ambiente rural. Acompanhado por sua segunda esposa, Peggy, com quem acabara de se casar, e por Richard, seu enteado de onze anos de idade, Joey se vê mergulhado durante três dias na fazenda em que cresceu e onde sua mãe agora vive sozinha. Isolados durante esse período, as quatro personalidades se defrontam num jogo de convencimento, autoafirmação, poder e ciúmes recíprocos.

Joan, ex-mulher de Joey, surge não apenas como lembrança na mente do narrador, mas como referência indireta em conversas travadas entre o quarteto na fazenda. A força da ausente Joan se mostra pelo passado que teve junto à família do ex-marido, a qual mal conhece a atual Peggy, aparentemente simplória – cujos atrativos se resumiriam aos aspectos físicos. A sombra gigante de Joan, abandonada com três crianças pequenas, se projeta poderosa sobre a fazenda, obscurecendo um possível entendimento entre os presentes. E por que a mãe de Joey só manifesta empatia com a primeira esposa dele após a traumática separação do casal? Não seria um jogo de tortura ou uma artimanha de poder, uma vez que Joan não mais ameaça se tornar a fêmea dominante na família?

O professor universitário McCabe, ex-marido de Peggy e pai do pequeno Richard, referido de maneira elogiosa pelo filho e pela antiga companheira, também se insinua nos pensamentos de Joey Richard, fertilizando ciúmes inconfessos. Peggy teria preferido continuar vivendo com McCabe? E os outros namorados que ela tivera? O que Joey teria de melhor que eles aos olhos da atual mulher?

A fazenda da família Robinson é a arena em que se confrontam vaidades e antigos rancores domésticos. Ela simboliza a tenacidade da mãe em perseguir seus desejos a todo custo, pois foi comprada por vontade dela, contra os juízos de todos os parentes. É seu reino, representação do poderio materno. Agora Joey Robinson é chamado a operar o trator para cumprir a exigência legal periódica de cortar o mato do terreno, mantendo-o nos padrões da vizinhança. Essa tarefa traz em si uma simbologia ligada à manutenção dos valores da família, anteriores à aproximação de Peggy e seu filho, que não têm laços sanguíneos com os Robinson.

Amenizando essa atmosfera sombria de acerto de contas familiar – que lembra a maior parte dos filmes do genial cineasta sueco Ingmar Bergmann – Updike usa descrições líricas da paisagem campestre. O mundo floresce à volta dos personagens num cenário de natureza exuberante e luminosa. Da mesma forma, a intimidade do casal Peggy-Joey brilha entre eles num entendimento sensual que minimiza todas as convenções e picuinhas familiares ou sociais surgidas ao longo do dia. No meio do cinzento mundo das convenções, o sexo e a natureza surgem brilhantes nas belíssimas descrições de John Updike, um talentosíssimo pintor da sociedade e da psicologia humana.

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Autor do livro de crítica literária Malandragem, Revolta e Anarquia: João Antônio, Antônio Fraga e Lima Barreto (Editora Achiamé, 2005). Em 2011, recebeu menção honrosa no IX Concurso Municipal de Conto – Prêmio Prefeitura de Niterói com "O Anão", posteriormente publicado. Em 2013, obteve menção honrosa no 7º Prêmio UFF de Literatura, com o conto "(Des)encontro", incluído em antologia publicada pela EdUFF. Em concursos de contos do Centro Literário e Artístico da Região Oceânica de Niterói (CLARON) ganhou 1º lugar (em 2016), 2º lugar (2017) e 7º lugar (2018). No Concurso Literário Bram Stoker (contos de terror), foi contemplado com o 10º lugar em 2018.

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