Somos monstros repletos de vazios ou isso é ser uma pessoa?

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Entre cigarros e breves versos sobre o amor, os poemas de O monstro e seus vazios, livro de Wellington Souza, provocam reflexões a respeito da solidão vivenciada pelo homem contemporâneo

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Wellington Souza, autor de ‘O monstro e seus vazios’

O monstro e seus vazios é o primeiro livro de Wellington Souza, que vive em São Paulo. Embora seja essa a sua estreia oficial na literatura, o escritor já publicou poemas e contos em antologias de concursos literários, entre outras publicações em revistas online.  Além disso, ele se dedica, há alguns anos, à revista literária Benfazeja e ao site Concursos literários, ambos responsáveis pelo nascimento da editora Benfazeja, em 2015, a qual publicou o seu livro de poemas.

O livro começa com uma citação de Clarice Lispector, retirada de A hora da estrela, que questiona se nós, alguma vez na vida, perguntamo-nos o que somos: “sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?”. Tal questionamento serve de chave, se assim podemos dizer, para a leitura dos poemas de Wellington.

Boa parte dos poemas são repletos de versos que refletem silêncio e solidão, medo do outro e de amar. No entanto, ao mesmo tempo, há a presença da sede de amar, a lembrança do passado, que parece não tão distante, e a esperança de felicidade – que todos nós, monstros ou não, desejamos.

Por meio de um olhar altamente poético, os versos constroem a imagem de um homem tão bruto quanto um caçador de borboletas, um terrorista lírico que metaforicamente gorfa os seus vazios nas páginas do livro. Temos um homem cansado do peso da existência, cansado de tantas letras, de tantas frases e de tantos versos, mas que, ainda assim, precisa de todos estes itens para fazer a vida mais leve, são como desfibriladores que o reanimam de tempos em tempos.

Este mesmo homem pensa no que já foi e no que é hoje, depois de alguns amigos, de algumas mulheres e tenta reconciliação com seu passado nas noites em que seus vazios vêm à tona e o sufocam. Essa não reconciliação consigo mesmo e sua imagem atual o faz roer unhas, fumar incontáveis cigarros enquanto o sono não vem, porque os tempos são difíceis “[…] o dia pede vigília / e a noite pede combate”.

Na procura de saber quem é e entender o peso de existir, o eu-lírico chega a se comparar com uma formiga, pois ambos vivem da natureza morta, enquanto as abelhas, pelo contrário, gozam nos néctares e tomam água da fonte. Chega a dar boa noite numa cama vazia, masturba-se e busca esboçar-se, mas nunca chega “a si”.

Denomina-se “um iceberg fantasiado de ilha paradisíaca”, o que nos faz pensar na questão das aparentes verdades, os fingimentos humanos, os falsos sorrisos: para disfarçar quem somos, o que queremos ser ou o que desejamos ter – coisas presentes apenas no fundo de nosso íntimo.

É exposto um coração que não pega nem no “tranco”, um coração cansado que não consegue mais bater sem que suspire fadigado, enquanto outros corações bamboleiam, tremem e bamboleiam.

Ao escrever-se no poema, o eu-lírico menciona que passa por um processo de demolição, escrita permeada pelo seu modo de amar, o qual é medonho. Escreve-se e reflete que é um homem preso em grades, que não o permitem enxergar muito longe. Compara seus olhos, seu modo de olhar, a uma janela “em que uma criança paralítica / vê as outras jogarem bola”.

Também reflete sobre a questão da morte e sobre a não-morte, que é quando o ser humano passa a desprender-se do tempo atual, vagando somente pelo mundo, sem nada e sem ninguém, solitário à mercê de uma possível virada no destino. Fala sobre o trauma de ter nascido, ainda não superado e sobre quando, ainda moleque, mata um sapo a pedradas, ambos momentos de sua vida que atormentam.

O eu-lírico nada mais é que um ser humano, que tem mais de mil perguntas sem respostas (já dizia Elis Regina), atormentado pelo peso da existência e que, embora muitas vezes triste e sozinho, volta para casa para escrever poesia. Esse “eu” reflete um homem tremendamente sensível, que vagueia pelos corredores da (por ele denominada) “cidade-estado” prestando atenção nos detalhes, nos cheiros, nos sons, nas cores, nas dores e na solidão, mas que é todo dia atropelado por esta cidade que habita e que, por fim, nela, será enterrado como indigente.

O_MONSTRO_E_SEUS_VAZIOS_1451787514545279SK1451787514BWellington Souza finaliza o seu livro com o poema “benditos”, no qual o eu-lírico, que menciona matar deus em outro poema, faz sua prece aos que são sensíveis nesse mundo tão vasto e desumano; aos que buscam suas vivências em suas memórias; aos que acendem seus cigarros enquanto aguardam por notícias, telefonemas, mensagens singelas de amor; aos que são cúmplices dos crimes diários presentes em nossa sociedade; aos que não leem jornais, aos que tomam café da manhã às três da tarde sozinhos; aos que escrevem aquilo que não presta.

Bendito seja, por fim, este monstro tão terrivelmente atento aos embates cotidianos de cada ser humano; este monstro repleto de vazios que expõe sua sensibilidade nos versos como meio de salvação, ou de escape.

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