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Autora de obras infantojuvenis, Patrícia se dedica há anos a projetos cujo mote é o incentivo à leitura. Só que desta vez  ela errou um tantinho na mão,  a meu ver, e fez jus à carapuça daquele velho ditado popular: de boas intenções, a morada do capiroto tá igual ao trem da Central do Brasil na hora do rush.

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Vivo num delay imensurável, de tal forma que sempre perco o gancho para alguns assuntos. Mas acho que ainda é tempo de escrever sobre o polêmico projeto, da escritora Patrícia Secco, de simplificar e/ou adaptar clássicos da literatura brasileira, uma vez que em junho serão lançadas as versões de O Alienista, de Machado de Assis, e de A Pata da Gazela, de José de Alencar.

Perdoemos a moça: o projeto é um arroubo de desespero, de quem tenta em vão tornar o Brasil um país de leitores  ou, pelo menos, despertar o interesse e facilitar o acesso aos livros – assim eu creio. Autora de obras infantojuvenis, Patrícia se dedica há anos a projetos cujo mote é o incentivo à leitura. Só que desta vez  ela errou um tantinho na mão,  a meu ver, e fez jus à carapuça daquele velho ditado popular: de boas intenções, a morada do capiroto tá igual ao trem da Central do Brasil na hora do rush.

O mais espantoso é o Ministério da Cultura ter autorizado Os clássicos e a leitura, assim se intitula o projeto em discussão, e as empresas terem patrocinado o equívoco – será que elas só querem saber da renúncia fiscal? A substituição das palavras não é solução, de modo algum. E fico a matutar com os meus botões: há uma contradição no escopo da própria proposta, que faz dela uma piada, que prova quanto ela é desatinada. Se é pra simplificar, por qual cargas d’ água se manterá o título do conto O Alienista? Quantas pessoas sabem o que significa alienista sem buscar no google? Se Dom Casmurro entrasse nisso, qual título levaria: Senhor turrão?

E olha que eu poderia me beneficiar. Por exemplo, eu nunca passei da página 50 do Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa, embora já tenha lido Primeiras Histórias, que dizem ser a melhor porta de entrada para o universo do autor. Como ficaria a primeira palavra do Sertão? Nonada passaria para Não foi nada. Que pobreza!  Se é pra facilitar, vamos usar mais a imaginação: quebrariam uns galhos colocar adjetivos nos livros do Graciliano para torná-los menos secos; passar para o discurso direto as frases da Clarice e dar algo de novo aos personagens do Vampiro.

Se a proposta contemplasse a literatura mundial, poderia ser dada uma simples explicação aos protagonistas kafkanianos; alguma motivação psicológica nas histórias do Alain Robbe-Grillet; pontuar os parágrafos nos romances do Saramago; dar um choque de realidade aos livros do Gabo; pôr os pés de Dom Quixote no chão; romper com a técnica do fluxo de consciência presente nas obras do Proust, do Joyce, do Faulkner e da Virginia e tornar Emma Bovary menos fantasiosa, entre outras sandices.

SQN, SQN, SQN!

ad infinitum

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