Teleco, o coelhinho é um conto de Murilo Rubião, publicado pela primeira vez em 1965, no livro Os Dragões e Outros Contos. O conto tem como base as transformações repentinas do coelhinho em outros animais, o que nos mostra sua tentativa (inútil) de adaptação a este mundo, no qual já não é tão comum valores como a bondade e a pureza
O coelhinho foi encontrado na praia pelo narrador, que o leva para casa e, desde então, tornam-se bons amigos. Para agradar e divertir seu amigo e a todos, Teleco transforma-se em diversos animais. Adora ser gentil com todos, ou quase todos. Quando não gostava de alguém, transformava-se em animais como leões e tigres, pelo simples prazer de se divertir.
Depois de uma convivência maior, descobri que a mania de metamorfosear-se em outros bichos era nele simples desejo de agradar ao próximo. Gostava de ser gentil com crianças e velhos, divertindo-os com hábeis malabarismos ou protestando-lhes ajuda. O mesmo cavalo que, pela manhã, galopava com a gurizada, à tardinha, em lento caminhar, conduzia anciãos ou inválidos às suas casas. (1980, p.22)
Teleco sonhava muito em ser homem — e isso fica bastante claro principalmente quando ele acredita que, na pele de canguru, é um homem, pelo fato de andar em pé. Depois de conhecer e apaixonar-se por Teresa, que o afirma como homem, o inocente é alvo da hipocrisia e ambição humana, e, posteriormente, acaba por parar em um circo.
Já no fim do conto, quando Teleco já não pode controlar seu poder, é possível conceber a ideia de que ele fora explorado demais quando esteve longe da casa do amigo. Ao sofrer inúmeras e incontroláveis metamorfoses, percebemos que Teleco acaba por descobrir que o ser humano é cruel e traidor. Percebemos também que, embora tenha o poder de se transformar, Teleco não tem em mãos o poder de transformar a natureza do ser humano.
O inocente Teleco, depois de transformado em um pequeno carneiro, é acolhido pelas as mãos de seu amigo que, cansado, acaba adormecendo. Ao despertar, o amigo nota que em seu colo havia uma criança: “No meu colo estava uma criança encardida, sem dentes. Morta.” (1980, p.27). Teleco, que queria tanto ser humano, tornara-se um no fim de sua vida, sem dentes e encardido. Neste momento, o narrador nos remete (na verdade nos obriga), mais uma vez, a enxergar a imperfeição que rege a vida humana.
Além disso, vale destacar a epígrafe bíblica, de Provérbios 30, versos 18 e 19, que Murilo Rubião põe no conto (aliás, essa é uma característica marcante nos contos do escritor), veja a imagem abaixo:
A epígrafe nos remete a importância de certos símbolos dentro do texto: o pequeno carneiro e a criança, por exemplo, representam a pureza e ingenuidade. No entanto, Teleco se transforma em uma criança encardida e sem dentes, o que nos faz pensar, mais uma vez, na imperfeição humana. A escolha da epígrafe oferece pistas do que o autor pretende contar: o mistério envolto no não reconhecimento do homem em face de coisas que não têm explicação.
Inicialmente, a história parece boba e simplista, mas através das metamorfoses do personagem, Murilo Rubião escancara questões profundas a respeito da existência humana: a animalização do homem, as injustiças e a hipocrisia da humanidade. Teleco sempre quis ser humano, mas parecia uma criança quando coelho, sempre puro e sempre querendo agradar; ao se considerar um homem, acaba sendo parte (e alvo) da bestialidade humana.
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Leia o conto Teleco, o coelhinho na íntegra (sem a epígrafe).
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Referências:
ARAÚJO, Wellington Medeiros de. Um estudo de “Teleco, o coelhinho”, de Murilo Rubião. Revista GELNE, 2012.
RUBIÃO, Murilo. Teleco, o coelhinho. In: O Pirotécnico Zacarias. 6ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1980. Coleção nosso tempo.
SCHWARTZ, Jorge. Murilo Rubião: Literatura Comentada. São Paulo: Editora Abril, 1981.