Temas tortuosos, texto leve: Karen Harrington

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Claros sinais de loucura, de Karen Harrington, faz uma abordagem despojada da psicopatia e dos vícios. O segredo? Uma narradora-personagem de onze anos

Karen Harrington

Uma tendência interessante vem despontando na literatura estrangeira: protagonistas recém-saídas da infância, que, mesmo em cenários problemáticos, encaram o caos com calma e praticidade. É o caso de A Idade dos Milagres (Karen Thompson Walker, 2012), cuja garota vivencia uma mudança na rotação da Terra e vê sua família desmoronar em meio à situação apocalíptica. É, também, a premissa de Amanhã você vai entender (Rebecca Stead, 2011), no qual a menina recebe bilhetes do futuro e precisa salvar uma vida. E é, sem dúvida, o nicho de Claros Sinais de Loucura (Karen Harrington, 2014), que destaca ainda mais a força de sua heroína, pois os problemas dela estão numa esfera muito mais real: uma mãe que tentou assassiná-la, um irmão morto e um pai alcoólatra.

Aos dois anos de idade, Sarah Nelson e seu irmão gêmeo são afogados pela mãe, Jane. Sarah é resgatada a tempo, mas o garoto não resiste. Jane vai para uma clínica psiquiátrica, e o caso tem grande repercussão na mídia. Perseguidos por repórteres e curiosos, a menina e seu pai, Tom, mudam de endereço constantemente. A família entra em crise, e Tom passa a buscar consolo diário no álcool. E assim a garota cresce: sem laços de amizade e com uma mãe doente mental e um pai viciado.

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Claros sinais de loucura (Intrínseca, 2014)

Com um enredo tão denso, é de se esperar que Claros sinais seja um livro difícil de digerir, porém, ele surpreende com sua fluidez e tom de confidência. A autora sabe dosar as cenas de tensão e pontua a narrativa com momentos de humor, guardados na peculiaridade da protagonista: ela consegue driblar os surtos do pai com uma lista de “palavras-problema”, cuida si mesma quando ele está entregue à bebida e tem uma visão assustadoramente prática sobre o fato de sua mãe ter tentado matá-la. No entanto, temas como o primeiro beijo e a compra de absorventes fazem-na tremer de terror.

Outra particularidade do romance é a ausência de uma trama precisa ou de um fio condutor. É muito mais uma janela para o cotidiano de Sarah, que passa a dividir conosco suas experiências. Ela nos conta sobre seus dois diários: o primeiro é para escrever coisas “normais”, como as outras crianças fazem. Esse fica à vista, para ser encontrado, de modo a encobrir o verdadeiro, no qual ela explora seus receios: o vício do pai está piorando, e talvez ela seja louca, como a mãe. E aí está a beleza da história: no jeito despretensioso e intimista com o qual Sarah discorre sobre seus sentimentos – para si, ou nas cartas destinadas à Atticus Finch, de O sol é para todos (Harper Lee). Vale dizer que escolha do personagem, um advogado atento e severo, porém presente e justo, é acertada:

“Atticus, queria que você fosse meu pai. Você é o único que eu consegui imaginar lendo minha carta sem rir de mim. Eu o imagino sentado na sua varanda com este papel nas mãos, lendo a carta inteira antes de responder qualquer coisa. […] Acho que o que mais gosto em você é que, se fosse meu pai, seria o mesmo praticamente todos os dias. Se dissesse que ia trazer espaguete para o jantar, você traria (p.42).”

Claros sinais de loucura faz uma bonita construção do vazio vivido por sua jovem protagonista e mostra como ela persiste, firme, simplesmente porque nunca experimentou outra realidade. Sua vida é sofrer e mudar, mas também é seguir em frente. É a alegria de ganhar um tocador de MP3, fazer uma amiga, paquerar um garoto ou descobrir na velha vizinha uma agradável companhia. Um livro de rápida leitura, mas cujo conteúdo agridoce emociona até a última página.

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