Em defesa da literatura de youtuber (ou quase isso)
Daí a Companhia das Letras lança um livro de youtuber. Jout Jout, conhece? Mulher descabelada, dramática feito festa de criança que acaba o brigadeiro, só fala verdades, gente boa demais. Estourou depois de um vídeo que parecia de batom, mas não era. Era sobre relacionamento abusivo. Povo se identificou, povo compartilhou. A fama, os comentários histéricos, a idolatria típica da internet, coisas da vida.
E o que é que eu tenho a ver com isso?, você me pergunta.
Depende.
Verdade, tem uma porrada de indivíduos literários (imagine aqui pessoas frágeis, sensíveis, parecendo papel mal-impresso, mal-comido) que cai de pau em cima da, segundo eles, “nova modinha.” Coisa tosca de se dizer. Como se desde sempre não se publicasse gente que atrai público, que comunica, que solta o verbo. Veja Jô Soares, Chico Buarque, as mulheres da vida que ganharam fama – gente que é conhecida e escreve alguma coisa. Editora quer vender. Publica.
E agora tem os youtubers, donos de milhares de visualizações. Nada mais natural. Está se publicando o que eles têm a dizer (alguns têm). Aí você quase imagina que um dia vai entrar na livraria e ver entre as prateleiras de LITERATURA ESTRANGEIRA e LITERATURA BRASILEIRA, algo como LITERATURA DE YOUTUBERS.
Mas é literatura, é? Tem arte ali, tem? Coisa fina, a última flor do lácio, inculta e bela?
Depende de novo. A maioria, provavelmente não. Muito pouco. E há de se entender. Grande parte dos youtubers é molecada, gente que pegou uma câmera e começou a falar pra ela, depois tacou umas palavras no papel e pronto. Acontece. Veja bem, eles fazem. Não ficam falando. Não entram pro time dos censores (e haja saco) gratuitos de internet.
Ainda assim, “o caso Jout Jout” (pronto, virou romance policial) é diferente. Quando peguei o livro dela, fiquei meio assim. Gosto do seu humor nos vídeos, mas prender isso num livro não é tarefa fácil. Ela sabe disso (a gente sabe que você deve saber, Jout Jout). Daí ela se reinventou, tirou mais uns troços de si mesma, algo bem a cara dela, sabe? Tipo, as crises. Uma porrada de crises. E escreveu tudo, em forma de crônica, bate e volta, jogo rápido, papo reto. Ficou gostoso de ler. Bem escrito (ela é jornalista (isso quer dizer alguma coisa?, me pergunto)).
A Julia Tolezano, também conhecida como Jout Jout, ou vice-versa, aprisionou um bocado de vida no texto. Falou de coisa de infância, de menina, de mulher, da profissão, de tudo e mais um pouco, amarrando o negócio todo em uma temática, suas crises.
(E tem as notas de rodapé. Leiam as notas de rodapé, gente. Se aquilo não é literatura, vocês não me entendem, vou cortar os pulsos (esse negócio dramático é meio contagioso)).
E pra resumir a história toda, Tá todo mundo mal, de Jout Jout (Companhia das Letras, 2016), se salva na boa. Pode levar. É divertido, mas diferente dos vídeos. É outra coisa. É literatura, poxa.