Poemas ridículos de amor sem medo de serem ridículos
“e viveria assim/ todos os dias até o fim,/ faça chuva ou carnaval,/ ao sol ou a sós,/ sob o som da tua voz.”
Amorcalipse (Penalux, 2016), do escritor Múcio Góes, é um livro modernoso, com belíssimas ilustrações de Juca Oliveira. Fala de amor, e claro, da sua finitude, como sugere o título. Se “Todas as cartas de amor são ridículas” (Fernando Pessoa), o que dizer dos poemas de amor? A mesma coisa!
Composto de poemas breves, Amorcalipse não teme ser derramado, apaixonado, terno; sendo, ao mesmo tempo, literariamente muito despojado, sem aqueles adornos vocabulares ou estéticos que muitas vezes são encontrados em poemas de amor. Então, são um pouco menos ridículos – o autor tem esse mérito.
“a minha pátria/ é minha língua/ na tua”. Eis a sensibilidade e a impermanência no poeta como enunciador. Os poemas não têm título, com exceção de “refrão para um samba triste”, “poema florido para um amor primaveril” e “um breve blues para Maíra Garcia”. A leveza advinda dos poemas em caixa baixa, assim, sem serem nomeados, torna o livro uma leitura fluente, uma experiência dessa leveza para quem lê (“nós dois/ dois nós”). Em geral, os poemas são curtos, e as ilustrações e a arte, muito eficientes para contribuir nessa construção enxuta de sentido.
De qualquer maneira, vale a pena destacar um poema que se distingue dos demais:
“eu não te amo apenas porque a tua boca me deixa
fora do chão aqui ali tipo cabo Canaveral eu não te
amo apenas porque tens uma gruta que se encharca
ao toque de minha voz ao teu ouvido eu não te amo
apenas porque teus mamilos me avisam onde mora o
teu arrepio nem porque no teu gozo entra riso e
choro nem por tuas coxas teus pelinhos dourados
tuas mãos teus pezinhos delicados os olhos teus
minha fonte fidedigna da existência de deus eu não
te amo, apenas porque não sei porque te amo mais.”
Trata-se de um poema, para além do amor, erótico explicitamente, enquanto outros textos do livro têm apenas uma pincelada de erotismo (“não temo/ não cismo/ quando passeio pela/ tua boca/ meu adorável/ abismo”). É isso o que o faz mais forte, além das características literárias: enjambements elegantes, fixação nas pequenezas (“pezinhos”, “pelinhos”), transcendência (“existência de deus”) e fluidez poética. Amorcalipse também trata de perdas, saudades, como num poema que diz “saudade/ de Brasília […]” e no seguinte:
“hoje
eu tive um sonho
um sonho triste
que de repente
ficou alegre
o sol dizendo lá no leste
que existe
era uma vez
um sonho triste
quando apareceste
e me
sorriste”
Em “poema florido para um amor primaveril” temos aliterações em “v”: (“virias vera/ disseram-nos/ depois do inverno/ vereis vós/ virás em vestes […]. Quanto às rimas, elas aparecem a mancheias, sendo rimas de uma simplicidade que quase chega ao comum. Parece ser o ponto fraco do livro em alguns momentos (rimas entre “acabar”, “beijar” e “ar”, por exemplo, num poema que, no seu todo, é bastante expressivo).
Amorcalipse é recomendado para quem ama, já amou ou vai amar. Para serem completamente ridículos, os poemas de amor têm de ser sentidos pelo leitor que, já avisado, ainda assim pode se surpreender com essa obra.