Tornando o ato de ler menos "cult"

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Assim como a roupa que vestimos e a música que escutamos, o livro que carregamos debaixo do braço externaliza uma imagem sobre nós, ás vezes oportuna, ás vezes nem tanto.

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Árvore do conhecimento (Foto de Kyle Thompson)

Espécie de atlas da humanidade e registro temporal do que somos nós, humanos, em determinados momentos e lugares, o livro nos resume e nos define. Desde que homem é homem e foi de pinturas rupestres aos hieróglifos e às letras, ele cria histórias e as registra, preservando sua identidade e a tornando imortal, mais segura em símbolos gravados à tinta do que na oralidade – e aí está o livro, logo depois do descobrimento do fogo e da invenção da roda. O poder de transmissão de histórias, a capacidade de fazer o leitor se desprender de si próprio entre as linhas, levando-o a ser várias pessoas em inúmeros lugares – o livro muitas vezes nos torna mais humanos, senão extra-humanos.
Com tanta ostentação, não é a toa que tenha ganhado fama como símbolo cult – ou será que não? Assim como a roupa que vestimos e a música que escutamos, o livro que carregamos debaixo do braço externaliza uma imagem sobre nós, ás vezes oportuna, ás vezes nem tanto. Mas isso tudo é aparência, e mais importante do que externalizar qualquer perfil intelectual deixando ás vistas um Ulisses na nossa mochila, é realmente a experiência individual de ler e aprender que vale. Mas e quando apenas o fato de ler um livro nos rotula?
Uma pessoa com os olhos atentos em um livro no canto mais extremo e silencioso da sala – isso diz alguma coisa sobre ela? Pessoas lendo em público passam uma imagem de serena intelectualidade, como se uma espécie de redoma de inteligência e profundidade as segregasse do resto da humanidade em um patamar mais elevado. No momento em que nos deparamos com um adolescente lendo quieto na sua ao invés de zoando com os amigos, ou em alguém em uma fila de banco equilibrando o livro debaixo dos olhos ao invés de batendo o pé de impaciência e comentando sobre o mal gerenciamento do local, o estigma é posto e pronto: essa pessoa é inteligente. Sem dúvida, um intelectual. “Olha essa concentração, e lendo nesse barulho?!”
E o fato de estarmos em um país onde o livro é familiar a poucos, onde a leitura assusta já na escola, e o ato de ler é pouco propagado, talvez tenha um dedo de responsabilidade nesse costume. Lemos pouco, muito pouco – bem mais que outrora, claro, mas ainda assim pouco. A maior parte dos brasileiros não conhece o livro, e a outra parte que está prestes a conhecer é repelida por esse mesmo perfil grande demais para ser absorvido, assemelhando o ato de ler a volumes extensos de Machado de Assis e longos minutos de uma tentativa exausta de entender uma linguagem para a qual não está preparada.
Tudo parece se resumir as imagens estereotipadas do ato de ler, que já vêm prontas para a maior parte de nós. Por que não enxergar o livro apenas como mais um entretenimento? Ao lado da TV, do Cinema, do jogo de futebol nos domingos? A transformação da visão da leitura em algo mais simples, benigno, não seria desvalorizá-la, mas torná-la possível, viável, àqueles que se enxergam incapazes disso; e tirar das costas de milhares de leitores o peso de rótulos. Sonhemos com o dia em que ficar em casa no sábado para terminar um livro incrível não será um problema, com o dia que nossas mães não ficarão preocupadas ao nos verem ler durante horas – com a liberdade de ler e poder ler sem estigmas ou barreiras.

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