Nesta segunda parte da série Tradução Literária, uma breve conversa sobre a tradução, o Homo Literatus conversou com Ernani Ssó, tradutor do monumental Dom Quixote (pela Companhia das Letras, no selo Penguin, 1.328 páginas), dentre muitas outras obras, originalmente escrito em espanhol.
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Por que o interesse em espanhol e como você aprendeu o idioma? Há alguma técnica ou recomendação em especial para aprender?
Os autores que mais me interessavam na adolescência escreviam em espanhol. Cortázar, Borges, García Márquez. Como eu não tinha paciência pra esperar as traduções, tentei ler o original com a ajuda de um manual e um dicionário. Aprendi na marra. Mas não recomendo este método.
Como você conheceu Dom Quixote?
O Quixote é daqueles personagens que a gente conhece de ouvir falar muito antes de pegar o livro. Foi assim comigo. As notícias das loucuras dele e do humor do Cervantes me deixaram curioso. Então peguei o livro com uma expectativa muito grande. Felizmente não me decepcionei.
Quão parecidos espanhol e português realmente são? E que particularidades você notou no idioma durante a tradução?
Todo mundo pensa que sabe espanhol até que tenta falar ou traduzir. São línguas parecidas, sim, mas há tantas armadilhas nessas semelhanças que é um inferno. Mas o mais difícil é que cada uma tem seu ritmo, sua atmosfera. Um tradutor tem de enfrentar isso com ouvido muito atento. Uma coisa engraçada que notei durante a tradução do Quixote é que palavras que usamos hoje normalmente se perderam em espanhol. Eles lá precisam de notas de rodapé pra explicá-las. Se não me engano, bilhete é uma delas. Ou o contrário. Palavras que eram usuais na época e que só muito mais tarde chegaram ao Brasil, como voleio.
Qual é a realidade do mercado de traduções no Brasil? São encomendadas ou podem ser escolhidas?
Já traduzi mais de sessenta livros. Desses, escolhi dois por minha conta. A maioria do que traduzi eu nem teria lido se visse por aí. Tradução é serviço braçal.
Qual o caminho indicado para quem quer se tornar tradutor?
Agora as faculdades de Letras têm cadeiras específicas, não? De qualquer forma, seria bom que o candidato a tradutor soubesse de umas coisinhas óbvias que parecem esquecidas pela maioria: não basta saber a outra língua, você tem de saber português muito bem e tem de saber interpretar um texto. Também não pode ter preguiça de ler os verbetes até o fim e não pode confiar totalmente na memória.
Um exemplo. Pepe Escobar traduziu Os Conjurados, último livro de Borges. Veja um verso do poema: “Todos os passados, um sonho”: “una mano templando una guitarra” (uma mão afinando um violão) se tornou “uma mão moderando uma guitarra”. Certo, “templar” também é moderar, mas no caso não faz sentido nenhum.