Traições – Caderno de fofocas sobre mim mesmo, de Antonio Ramos da Silva

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Antonio Ramos da Silva

Anda em pauta no meio literário uma espécie de novo gênero que surgiu: a autoficção. É claro, nestes casos, há pitadas de especulação que envolvem um tipo de investigação – quanto é parte do autor, quanto é parte da ficção, por assim dizer. É neste jogo que entra o recomendado livro Traições – Caderno de fofocas sobre mim mesmo, do escritor de Campinas Antonio Ramos da Silva. Intrigante já pelo título, o livro tem uma epígrafe que faz todo o sentido: a citação de Gabo, falando sobre a diferença entre o que acontece e aquilo de que nos lembramos. Assim, escrever memórias, as próprias ou as de um personagem, está permeado pela lembrança que se faz dos momentos narrados.

O narrador começa Traições falando de sua primeira: a traição do sonho de ser romancista. É claro, para todos aqueles anônimos que leem o cânone como se quisessem fazer parte do clubinho, já ficamos do lado do narrados neste primeiro momento. Aí que está: não importa o quanto ele se traia, este é um narrador carismático e querido, que conquista por ser honesto – se é que dá pra falar de honestidade em memórias contadas a partir de uma visão dos fatos. É engraçado como, para ficar do lado de personagens, somos capazes de abrir mão de certos valores morais. A narrativa nos leva a questionamentos do que buscamos ser e de como nossas ideias estão sempre presas a pequenas traições conosco, desde não comer mais alguma coisa até, efetivamente, comer ou não comer alguém quando se é casado.

A mão leve é um ponto forte do autor, que escreve a (própria) história com crueza e delicadeza, de forma que o leitor tem a clara sensação de estar em uma conversa íntima e não em uma palestra ou exposição arrogante sobre alguém que se autoaprecia. Incrivelmente, a autodepreciação acaba unindo todos os exigentes, fracassados e frustrados no mesmo barco e é exatamente aí que fica a grandeza do livro: mesmo sem ser, todos somos, efetivamente, o narrador em algum momento de nossas vidas. Esta percepção e identificação, mais uma vez, são mérito da técnica apurada de escrita e construção de enredo, que não é pretensiosa e diverte, tornando a leitura prazerosa e reflexiva.

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