Vai que o Otto Lara Resende responde
Tudo bem aí do outro lado da vida, senhor Otto Lara Resende? Ou apenas Otto se me permite, por abandono das excessivas formalidades. Espero que receba estas linhas frágeis em boas condições por utópicos desejos de que um e-mail o alcance na eternidade, além de uma prosa pra falar de coisas que não envelhecem tanto.
Eu estava com um volume das suas crônicas batizado Bom dia para Nascer nas mãos, e imagino que você se divertiria um pouco aqui no Brasil do século XXI, que apesar de umas tantas mudanças da sua época de cronista pra cá não envelheceu nem andou tanto assim. Se a nossa era te assustar, te aborrecer ou só te entreter mesmo, bem-vindo! Aqui há dias em que se pode caminhar e ficar de papo em uma conversa falsamente fiada sobre qualquer coisa; enquanto em outros a mera convivência e o ir e vir podem te dar a sensação de que a vida é um desconforto permanente. Sozinhas, tais impressões enganam, mas somadas podem explicar um pouco do nosso tempo.
Um dos lados bons do nosso tempo é a correspondência. Em uma das suas crônicas você falou das cartas entre escritores e até alçou algumas a patrimônio cultural, e também se queixou do brasileiro por considera-lo ágrafo e não se corresponder por cartas nem ao nível básico. Temos uma coisa chamada internet, que estava na maternidade quando suas crônicas eram publicadas em jornal de papel, e hoje ela serve pra quase tudo, da divulgação e pesquisa de novos e consagrados escritores a comunicação direta entre autor e público. Da Curitiba onde moro posso ler as linhas de gente de qualquer canto do país, me arriscar a trocar umas palavras com quem escreve e assim vai; embora não haja ritual nisso, ao contrário da velha troca de cartas que pedia espaço e tempo exclusivos, palavra que também deixou de ter alguma presença por aqui.
De exclusiva nossa época não possuí quase nada. O Brasil continua um país de ágrafos e analfabetos, as nossas médias de leitura são espantosamente baixas apesar do aumento nas mídias onde se pode comprar um livro, ou saber um pouco mais deles. Há menos espaço pra falar de literatura nos veículos tradicionais, sobram descendentes informais e indiretos desses na internet; desde redatores com voz autoral estabelecida ou em desenvolvimento a diletantes sem experiência prévia, cada um buscando público como pode em meio a tarefas e afinidades.
Faço um pequeno adendo, o motivo verdadeiro desta escrita. Me permita compartilhar uma das minhas afinidades contigo: sou leitor desse gênero pseudo amorfo batizado crônica, e foi pesquisando sobre ele que encontrei a sua produção. À luz da nossa epoca, as suas podem ser um encontro de memórias e busca de entendimento da própria era, redigidas em tom enciclopédico e linguagem mista de erudição e coloquialismo, dispostas em camadas onde não raro a gente lê sobre mais de um assunto em um espaço tão compacto como era o seu. Creio não ter exagerado nem sido rude nessa descrição, até porque você dedicou amplas linhas às obras do Velho Graça e do Machado, aos amigos próximos e aos nem tão próximos; mais do que a forma, me cativaram por ter menos de um crítico e mais de alguém entregue aos próprios afetos.
A crônica está longe de ser um texto isento, embora, muitas vezes tida por conversa fiada. Há quem a entenda exclusivamente como palco de opinião e comentário sobretudo político, e muitos dos nossos desenvolvem nela um espaço onde isso sequer tem vez, prevalecendo diálogos afetivos, investigativos acerca do que está em volta, memorialistas, geracionais ou qualquer tema onde possa existir vínculo entre autor, leitor e situação. Não te conto novidade nenhuma, óbvio – quem dera eu tivesse algo de novo pra te contar. Esse corre-corre pra entregar o próximo texto tem sua cota de exigências, mas nada que nos impeça de dedicar umas palavrinhas às ninharias e afinidades, pois no restante do tempo nossas mentes não descansam e sempre topamos com algo que nos espante e nos desconcerte, forçando nossa compreensão jogada o tempo inteiro nas letras. Por isso espero sua resposta a uma pergunta: quando é um Bom dia pra (re)nascer?