Em Fôlego, novela de Rafael Mendes, a memória do protagonista predomina sobre o presente e costura o que ele entende por passado.

“Respire devagar.” (p.16) Rafael Mendes
Existe outra foto além daquela guardada pelo narrador. Pelo menos ele acredita nisso, desconhecendo o sabor de uma lembrança vinda por uma foto. E não tarda para a memória do protagonista de Fôlego, novela de Rafael Mendes, predominar sobre o presente e costurar o que ele entende por passado.
O infante acompanhava o pai em seu serviço, e aguardava as instruções paternas inerte diante da imundície da vila. O pai aconselha o filho a estudar para não ter de meter a mão na sujeira, e essa fala fica gravada quase como um guia, não tanto por seu significado mas pelo que ela passa a representar em meio aos diálogos rápidos de sua família.
Velozes porque cada um tem sua briga consigo e com o mundo, quando não aquelas entre si, como se precisasse de mais; e é por meio delas, além dos fatos (re)lembrados pelo narrador, que sabemos das raízes desta história. Ela pode soar simples, mas possui uma complexidade sutil pelo dito e pelo não dito, ambos concisos e fortes, quase como se os diálogos fossem combativos (teria sido uma possível influência de Um Copo de Cólera pela força da narrativa?). Há algumas explicações, mas elas não aliviam o fôlego do personagem, não é difícil o imaginar perdido ao presenciar ou se lembrar de algo a cada respirada, principalmente quando ele se volta para o seu presente.
Afinal, ambos tempos passam em um sopro, indiferentes para com o ritmo da respiração de quem os vive e conta, como no caso desta novela. Fôlego acerta na brevidade não apenas pelo formato novela, conhecido também por sua curta extensão, mas pela concisão e maneira como se conta a história, deixando a você desbravar o que se conta a cada lufada de ar. E descobrir o sabor de uma lembrança, quem sabe.
Referência:
MENDES, Rafael. Fôlego. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2014